sábado, outubro 14, 2017

A geração atual é melhor que a passada

A reclamação de que estamos piorando com o passar do tempo parece não proceder. Veja o texto da revista The Economist, publicado no Estadão de 10 de outubro de 2017:

“A geração de nossos pais, pior que a dos avós, gerou a nós, mais dissolutos e destinados a gerar, em breve, uma progênie mais corrupta.” Assim era o mundo nos idos de 20 a. C., segundo o poeta romano Horácio. Contemporaneamente, não lhe faltam sucessores. Ao longo dos últimos dois séculos, a triste decadência da juventude foi atribuída ao advento dos romances, do rádio, do jazz, do rock, da televisão, dos filmes de horror, do jogo de RPG Dungeons Dragons, dos videogames, da internet, dos smartphones e das redes sociais, entre tantas outras coisas. No câmpus de Santa Barbara da Universidade da Califórnia, porém, um psicólogo chamado John Protzko começou a se indagar se realmente o destino das próximas gerações seria tão sombrio assim.
A fim de introduzir um pouco de rigor no problema, o pesquisador saiu em busca de exemplos de um experimento cognitivo conhecido como “teste do marshmallow”. Inicialmente aplicado na Universidade Stanford, na década de 1960, o teste tem como objetivo avaliar a capacidade de autocontrole em crianças pequenas, verificando se o menino ou a menina se dispõe a abrir mão de uma recompensa pequena, mas imediata, como um marshmallow, em troca de obter uma recompensa maior mais tarde. Por ter sido um dos primeiros exemplos de teste psicológico padronizado, Protzko encontrou grande quantidade de dados históricos com que trabalhar.

A realização do experimento é simples. A criança é levada para uma sala onde há uma série de doces. O pesquisador explica à criança que ela pode escolher o doce de que mais gosta e comê-lo quando quiser; mas, se esperar 15 minutos, poderá comer dois doces em vez de um. Em seguida, o pesquisador sai da sala. A idade é o fator que melhor permite prever a capacidade de resistir ao impulso de devorar o doce na hora. Entre as crianças de mesma idade, porém, o bom desempenho no teste está associado a características positivas que se manifestarão mais tarde na vida, da manutenção de um peso saudável à escolaridade mais elevada e à obtenção de notas mais altas em provas.
Protzko avaliou os dados de 30 estudos realizados ao longo dos últimos 50 anos (embora o estudo original de Stanford não tenha sido incluído). Simultaneamente, consultou 260 especialistas em desenvolvimento cognitivo infantil, solicitando que eles fizessem uma previsão sobre o desempenho das crianças com o passar dos anos. Pouco mais da metade, talvez pensando em inúmeros estudos recentes sobre os efeitos supostamente nocivos da tecnologia moderna, disse que as crianças de hoje teriam mais dificuldade em postergar a gratificação. Um terço achou que não haveria diferença entre as crianças de agora e as de 50 anos atrás.
Só 16% dos especialistas acertaram a previsão: as crianças vêm se saindo progressiva e significativamente melhores no teste. Em 1967, o tempo que elas levavam para ceder à tentação era de aproximadamente três minutos, em média. Em 2017, essa média já chega 8 minutos, com uma elevação de cerca de um minuto a cada dez anos. E isso parece acontecer de maneira uniforme em todos os níveis de habilidade. As crianças mais impulsivas vêm melhorando no mesmo ritmo que as mais prudentes.
A taxa de melhoria também chamou a atenção de Protzko. O índice registrado, de 20% de um desvio padrão a cada dez anos, corresponde aproximadamente à taxa de melhoria observada nos testes de QI ao longo dos últimos 80 anos. (O desvio padrão mede a variação em torno de um valor médio. Cerca de dois terços de uma distribuição normal se estende por um desvio padrão da média.) O motivo desse aumento no QI, conhecido como efeito de Flynn, em homenagem ao psicólogo que chamou a atenção do mundo acadêmico para o fenômeno, permanece sendo um mistério. Tampouco está claro se os resultados de Protzko têm alguma relação com isso ou não. Sabe-se que o QI está associado à capacidade de postergar a gratificação, mas é uma correlação para lá de imperfeita.
De qualquer forma, uma coisa é clara: Horácio e seus sucessores não estão apenas equivocados (e teriam mesmo de estar, ou a civilização teria ido para o beleléu há muito tempo), como nos últimos tempos a juventude vem melhorando, pelo menos em alguns aspectos. “Falar mal dos mais jovens”, diz Protzko, “parece ser uma espécie de cacoete cognitivo humano.” Agora ele está interessado em descobrir a razão disso.

Para aqueles que ainda duvidam, recomendo a leitura do livro Os Anjos Bons da Nossa Natureza, de Steven Pinker. 

O Teste pode ser visto no vídeo abaixo:


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