quarta-feira, outubro 11, 2006

Bolha

Um artigo publicado no Valor Economico, 11/10/2006, sobre os problemas da decisão de investimento:


Venceu o prazo de validade das suas regras de decisão?

Vera Rita Ferreira

Não saber incomoda. O que fazer, por exemplo, diante da famosa incerteza representada pelas perspectivas futuras do mercado? Tenta-se dar um jeito de saber e, às vezes, incorre-se em erro devido não só às limitações cognitivas e emocionais que podem distorcer o que se percebe, mas também por falta de cuidado em selecionar as informações que ajudariam a decidir.

Balizamos nossas decisões a partir de parâmetros ou "regras de decisão" - elementos que nos ajudam a analisar opções, circunstâncias que observamos, passos que seguimos até chegar à resposta para a questão: "Faço isso ou aquilo?"

Para decisões econômicas sobre investimentos costumamos levar em conta, por exemplo, recomendações de especialistas, "dicas" e modelos bem-sucedidos, que procuramos adotar. No entanto, mesmo quando seguimos regras que parecem ter dado certo para outros investidores, os resultados podem ficar muito aquém do esperado. Por quê?

Os primeiros investidores nas empresas ponto.com foram, em geral, os que mais lucraram com elas. Eles se preocupavam em saber tudo antes de investir: que tipo de empresa era, qual produto oferecia, para que público, seu programa de negócios, como se posicionava no mercado, competidores, etc. Apenas depois de analisar cuidadosamente todos os dados disponíveis, faziam sua opção. Contudo, à medida que o tempo passou e diante dos lucros fenomenais auferidos por estes "pioneiros", apenas ter o final "ponto.com" passou a equivaler, para outros investidores, a lucros certos. Estes aplicaram - ou apostaram, já que a esta altura, a coisa se assemelhava a uma corrida de cavalos ou a um cassino - seu dinheiro em qualquer uma delas. Mas como sempre, depois da bolha, veio o estouro da bolha e muita gente perdeu (muito) dinheiro.

Pesquisadores em Psicologia Econômica debruçam-se sobre tais fenômenos, que são recorrentes no mundo econômico. Peter Earl e seus colegas na Austrália, por exemplo, fornecem uma pista interessante para esta análise no artigo "Decision rule cascades and the dynamics of speculative bubbles" (a ser publicado no Journal of Economic Psychology em breve): depois que especialistas estabelecem diretrizes para analisar investimentos, utilizando-as com sucesso durante algum tempo, a massa de investidores leigos procura seguir aquele exemplo. Porém, à medida que as recomendações se espalham entre os "amadores", elas sofrem deformações gradativas, que comprometem seu valor original.

Isso lembra a velha brincadeira do telefone sem fio? Sim, é o mesmo princípio. Como replicadores de informação cultural que uma mente transmite a outra, as regras possuiriam ciclo vital - surgem, vicejam e declinam. Enquanto informações complexas passam de um para outro, disseminando-se entre a população comum, podem deteriorar-se, deixando de ser úteis para as novas condições do mercado. Isto quer dizer que, ao se espalhar, o que valia para "experts" em um determinado momento pode não ter mais sentido algum tempo depois. Numa época em que transições velozes muitas vezes chegam a transformar as próprias estruturas de nosso ambiente (depois do 11 de setembro, por exemplo, o mundo nunca mais foi o mesmo), as informações possuem significado volátil.

Em outras palavras: nossas regras de decisão têm prazo de validade e podem deixar de operar satisfatoriamente com a passagem do tempo e com as mutações sofridas pelos elementos que as compõem. Devem ser, portanto, cuidadosamente analisadas antes de serem adotadas, por meio de ferramentas como: identificação das próprias regras que cada um utiliza (a que coordenadas recorre para escolher?); atenção ao contexto (quando um "boom" ganha força, as pessoas passam a arriscar-se mais mudando para estratégias ou regras que, normalmente, não empregariam); respeito à condição "se-então", isto é, lembrar que determinadas funções operam apenas sob certas condições. "Se" há alguma chance de ser construída uma estação de metrô em tal lugar, "então" vale a pena comprar, logo, um imóvel nas imediações. A "dica" não é, simplesmente, "compre qualquer imóvel, em qualquer tempo", embora, para os autores, esta deformação em cascata envolvendo decisões leve os últimos da pirâmide de investidores a usar recomendações degradadas, aumentando muito seu risco de insucesso.

Moral da história: especialmente num mercado com menos brechas e menor rentabilidade, como o atual, vale a pena refinar os conhecimentos para investir, mesmo que isso exija tempo, esforço e reflexão, pois pequenos detalhes poderão fazer diferença.

Vera Rita de Mello Ferreira é consultora na área psicoeconômica, professora do curso "Psicanálise e Psicologia Econômica" da PUC-SP e representante no Brasil da IAREP International (Association for Research in Economic Psychology)

E-mail verarita@verarita.psc.br