Contabilidade mental
Do jornal Valor Econômico de hoje (muito interessante)
Percepção de sucesso financeiro é ligada à satisfação pessoal
21/12/2006
Valor Econômico
Você tem certeza de que faz seus cálculos usando calculadora, Excel ou, até mesmo, o velho lápis e papel? O economista comportamental Richard Thaler garante que estas não são as únicas ferramentas que usamos quando fazemos contas. Para ele, que criou o conceito de "contas, ou contabilidade, mentais", outros fatores entram em jogo quando pensamos em quanto ganhamos, gastamos, temos ou viremos a ter, no valor do que compramos e usamos. No artigo "Invest now, drink later, spend never: on the mental accounting of delayed consumption", com Eldar Shafir (Journal of Economic Psychology, outubro, 2006), exemplos simples são apresentados e podem nos intrigar no que possuem, para todos nós, de corriqueiro.
Eles desenvolveram uma pesquisa com colecionadores de vinhos finos, formulando perguntas como: supondo que você tenha comprado uma caixa de Bordeaux 1982, no mercado futuro, por US$ 20 a garrafa há alguns anos e, agora, o mesmo vinho custa US$ 75 a garrafa, como você se sentiria nos seguintes casos - ao presentear um amigo com ela; ao tomar o vinho; se, por acaso, quebrasse uma garrafa acidentalmente. As cinco respostas que surgiram para os primeiros dois casos (presentear ou saborear o vinho) se distribuíram de maneira mais ou menos homogênea: ´tenho a impressão de que a garrafa me saiu de graça, já que paguei por ela há tanto tempo´; ´parece que me custou só US$ 20, que é o que me lembro de ter pago´; ´talvez como se custasse US$ 20, mais os juros sobre esse valor´ (quem disse isso deve ser contador profissional!); ´sinto como se custasse US$ 75, que é o valor que eu teria que desembolsar agora para substituí-la´; ´a sensação é de estar economizando US$ 55, porque estou dando, ou tomando, uma garrafa de US$ 75 que, na verdade, custou-me apenas US$ 20´.
No entanto, caso a garrafa se quebrasse acidentalmente, a maior parte das respostas à questão ´quanto você sentiria que teria perdido agora?´, expressou um sentimento de perda no valor de US$ 75. Neste caso, o que ficou "saliente", para usar a expressão dos autores, foi o custo de substituição, diferentemente dos dois primeiros casos. Ou seja, muitos que haviam considerado a conta "fechada" nas situações de presentear ou tomar o vinho - já tinham pago e o gasto quase não tinha mais importância, depois de tanto tempo - experimentavam, agora, uma espécie de "ressurreição do valor", como se a conta tivesse sido reaberta e reativada. Ao complementar a pesquisa, mais tarde, com a pergunta ´como você se sente ao comprar uma caixa de vinho, agora, por US$ 400 que, quando for enviada, já valerá US$ 500, mas você só vai beber daqui a 10 anos?´, a maioria respondeu como se estivesse fazendo um tipo de investimento. Isso levou os pesquisadores a concluir que é possível sentir o gasto como investimento e, ao saborear (ou dar de presente) anos mais tarde, o sentimento é de que não custou nada - daí o título do artigo: invista agora, beba mais tarde, não gaste nunca!
Assim, consumir uma coisa que foi adquirida muito tempo antes pode ser sentido como se fosse grátis ou, até mesmo, como se estivesse economizando dinheiro. Da mesma forma, compras "adiantadas", isto é, para consumo posterior, são sentidas como investimento, e não como gasto. Mas, se o item em questão não for consumido da forma esperada, ele volta a adquirir valor, na verdade, o mais alto valor, já que o parâmetro, agora, é o custo para substituí-lo.
Um outro fator que pode causar distorções na percepção de valor e, conseqüentemente, no modo como a questão será avaliada e conduzida, é a sua história. Por exemplo, depois de comprar um par de sapatos por US$ 250, você descobre que eles machucam seus pés; em outra situação, você comprou o par, que também machuca, por US$ 55; e, num terceiro caso, idem, mas numa liquidação, de US$ 250 por US$ 55. Em qual dos três cenários seria mais fácil doar aqueles sapatos, em ótimo estado, mas que você não vai ter condição de usar, porque são tão incômodos? Os mais "generosos" foram aqueles que pagaram US$ 55, com o pessoal da "pechincha" no meio, e os que pagaram US$ 250, muito mais apegados aos seus belos, porém igualmente inúteis, sapatos. Ou seja, o tom da decisão tomada parece ter sido dado por sua história.
Vale lembrar que manobras desse tipo não são captadas por calculadoras ou computadores. Em outras palavras, são operações que têm lugar no âmbito da psique, ali onde emoção e razão convivem de forma nem sempre harmônica - embora tudo se reflita diretamente na maneira como as decisões são tomadas e dinheiro, investimentos e bens, administrados.
Percepção de sucesso financeiro é ligada à satisfação pessoal
21/12/2006
Valor Econômico
Você tem certeza de que faz seus cálculos usando calculadora, Excel ou, até mesmo, o velho lápis e papel? O economista comportamental Richard Thaler garante que estas não são as únicas ferramentas que usamos quando fazemos contas. Para ele, que criou o conceito de "contas, ou contabilidade, mentais", outros fatores entram em jogo quando pensamos em quanto ganhamos, gastamos, temos ou viremos a ter, no valor do que compramos e usamos. No artigo "Invest now, drink later, spend never: on the mental accounting of delayed consumption", com Eldar Shafir (Journal of Economic Psychology, outubro, 2006), exemplos simples são apresentados e podem nos intrigar no que possuem, para todos nós, de corriqueiro.
Eles desenvolveram uma pesquisa com colecionadores de vinhos finos, formulando perguntas como: supondo que você tenha comprado uma caixa de Bordeaux 1982, no mercado futuro, por US$ 20 a garrafa há alguns anos e, agora, o mesmo vinho custa US$ 75 a garrafa, como você se sentiria nos seguintes casos - ao presentear um amigo com ela; ao tomar o vinho; se, por acaso, quebrasse uma garrafa acidentalmente. As cinco respostas que surgiram para os primeiros dois casos (presentear ou saborear o vinho) se distribuíram de maneira mais ou menos homogênea: ´tenho a impressão de que a garrafa me saiu de graça, já que paguei por ela há tanto tempo´; ´parece que me custou só US$ 20, que é o que me lembro de ter pago´; ´talvez como se custasse US$ 20, mais os juros sobre esse valor´ (quem disse isso deve ser contador profissional!); ´sinto como se custasse US$ 75, que é o valor que eu teria que desembolsar agora para substituí-la´; ´a sensação é de estar economizando US$ 55, porque estou dando, ou tomando, uma garrafa de US$ 75 que, na verdade, custou-me apenas US$ 20´.
No entanto, caso a garrafa se quebrasse acidentalmente, a maior parte das respostas à questão ´quanto você sentiria que teria perdido agora?´, expressou um sentimento de perda no valor de US$ 75. Neste caso, o que ficou "saliente", para usar a expressão dos autores, foi o custo de substituição, diferentemente dos dois primeiros casos. Ou seja, muitos que haviam considerado a conta "fechada" nas situações de presentear ou tomar o vinho - já tinham pago e o gasto quase não tinha mais importância, depois de tanto tempo - experimentavam, agora, uma espécie de "ressurreição do valor", como se a conta tivesse sido reaberta e reativada. Ao complementar a pesquisa, mais tarde, com a pergunta ´como você se sente ao comprar uma caixa de vinho, agora, por US$ 400 que, quando for enviada, já valerá US$ 500, mas você só vai beber daqui a 10 anos?´, a maioria respondeu como se estivesse fazendo um tipo de investimento. Isso levou os pesquisadores a concluir que é possível sentir o gasto como investimento e, ao saborear (ou dar de presente) anos mais tarde, o sentimento é de que não custou nada - daí o título do artigo: invista agora, beba mais tarde, não gaste nunca!
Assim, consumir uma coisa que foi adquirida muito tempo antes pode ser sentido como se fosse grátis ou, até mesmo, como se estivesse economizando dinheiro. Da mesma forma, compras "adiantadas", isto é, para consumo posterior, são sentidas como investimento, e não como gasto. Mas, se o item em questão não for consumido da forma esperada, ele volta a adquirir valor, na verdade, o mais alto valor, já que o parâmetro, agora, é o custo para substituí-lo.
Um outro fator que pode causar distorções na percepção de valor e, conseqüentemente, no modo como a questão será avaliada e conduzida, é a sua história. Por exemplo, depois de comprar um par de sapatos por US$ 250, você descobre que eles machucam seus pés; em outra situação, você comprou o par, que também machuca, por US$ 55; e, num terceiro caso, idem, mas numa liquidação, de US$ 250 por US$ 55. Em qual dos três cenários seria mais fácil doar aqueles sapatos, em ótimo estado, mas que você não vai ter condição de usar, porque são tão incômodos? Os mais "generosos" foram aqueles que pagaram US$ 55, com o pessoal da "pechincha" no meio, e os que pagaram US$ 250, muito mais apegados aos seus belos, porém igualmente inúteis, sapatos. Ou seja, o tom da decisão tomada parece ter sido dado por sua história.
Vale lembrar que manobras desse tipo não são captadas por calculadoras ou computadores. Em outras palavras, são operações que têm lugar no âmbito da psique, ali onde emoção e razão convivem de forma nem sempre harmônica - embora tudo se reflita diretamente na maneira como as decisões são tomadas e dinheiro, investimentos e bens, administrados.
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