Reportagem do Jornal Valor Econômico
Os parâmetros comportamentais do investidor brasileiro
Martin Casals Iglesias
Diz a lenda que no seu regresso à Espanha, Colombo foi convidado a um banquete, no qual vários comensais comentaram que não viam nenhuma façanha no que ele tinha feito, pois era evidente que dava para chegar às Índias navegando para o ocidente. Colombo pegou um ovo e desafiou os participantes a o colocassem em pé. Após muitas tentativas frustradas, Colombo pegou o ovo e o bateu levemente contra a mesa, provocando um pequeno achatamento que permitiu com que o mesmo ficasse em pé. "Óbvio, desse jeito eu também teria conseguido", disse um dos convidados, que ainda não percebera que aquilo não tinha sido um desafio, mas uma sutil resposta. Há coisas que parecem óbvias, fáceis ou até evidentes, depois de terem sido vistas, feitas ou ditas por alguém.
Uma coisa que intriga muita gente é a baixa exposição ao mercado acionário dos investidores locais. Uma das explicações mais freqüentes é de que no Brasil os investidores são muito conservadores e não estão dispostos a correr o risco do mercado acionário.
A teoria do prospecto de Daniel Kahneman descreve o comportamento do investidor em duas equações, montadas em função de parâmetros comportamentais. Certamente o mais importante deles é o coeficiente de aversão a perdas que Kahneman estimou em 2,25 num experimento realizado por ele em 1992, com alunos de Berkeley e Standford. O coeficiente quer dizer que a perda de uma unidade monetária gera desgosto que só pode ser compensado pelo ganho de 2,25 unidades.
Se de fato existisse algum viés comportamental que inibisse o investidor brasileiro a aplicar em ações, seria de esperar que os parâmetros da teoria do prospecto calculados no Brasil fossem diferentes dos obtidos nos EUA.
Para verificar isso, fui até o laboratório de economia experimental da Fundação Getúlio Vargas. Segui à risca todo o procedimento feito por Kahneman e apliquei a um grupo de participantes exatamente as mesmas perguntas feitas no experimento de 1992. Foi solicitado aos estudantes que optassem entre participar de 64 jogos, nos quais os ganhos (ou perdas) dependiam de probabilidades, ou receber (ou pagar) um valor fixo e desistir de jogar. Todas as perguntas seguiam o seguinte modelo: "Suponha um jogo no qual você tem 90% de chance de ganhar zero e 10% de chance de ganhar R$ 50,00". Os participantes então deviam escolher o valor fixo a ser recebido, pelo qual desistiriam do jogo. Variavam, de uma pergunta para outra, o valor, as probabilidades e se o jogo se referia a chances de ganhos, de perdas ou a uma combinação de ambas.
Os resultados do experimento foram surpreendentemente parecidos aos encontrados nos EUA, a começar pelo coeficiente de aversão a perdas que foi estimado em 2,21 para o Brasil, contra os 2,25 dos Estados Unidos.
A conclusão a que se chega é bastante simples: se acreditamos que a teoria do prospecto de fato explica a forma como as pessoas se posicionam perante o risco, temos de aceitar que a diferença entre o percentual alocado em bolsa no Brasil e nos EUA não se deve a fatores comportamentais.
De certa forma, esta constatação traz esperança sobre o crescimento futuro do mercado acionário brasileiro já que, segundo as conclusões do estudo, não há nada de comportamental que impeça o brasileiro de alocar em risco e, assim sendo, a grande diferença entre as alocações no Brasil e nos Estados Unidos é explicada pelo retorno dos ativos, dentre eles o nível da taxa básica de juros e o prêmio de risco do mercado acionário ("Equity Premium").
A mesma conclusão pode ser vista de outro ângulo. Se os investidores americanos fossem submetidos às condições do mercado brasileiro, teriam basicamente a mesma alocação que os investidores locais, ou seja, uma aparentemente baixa exposição à bolsa.
Se acreditarmos que num futuro próximo os retornos dos ativos serão ajustados com a redução da taxa básica de juros, podemos acreditar que o mercado brasileiro de ações pode vir a se tornar, em termos proporcionais, tão importante e relevante como o dos EUA.
Bem. Se por um lado a constatação da semelhança entre os investidores americanos e brasileiros me parece um fato novo e de extrema importância, por outro lado, sendo bem sincero, o fato de o nível de juros ser um dos principais fatores que inibem o investidor brasileiro a aplicar em bolsa era algo que mesmo antes do teste de laboratório já me parecia óbvio... tal qual o ovo.
Martin Casals Iglesias é gerente sênior do Wealth Management Services do BankBoston
Martin Casals Iglesias
Diz a lenda que no seu regresso à Espanha, Colombo foi convidado a um banquete, no qual vários comensais comentaram que não viam nenhuma façanha no que ele tinha feito, pois era evidente que dava para chegar às Índias navegando para o ocidente. Colombo pegou um ovo e desafiou os participantes a o colocassem em pé. Após muitas tentativas frustradas, Colombo pegou o ovo e o bateu levemente contra a mesa, provocando um pequeno achatamento que permitiu com que o mesmo ficasse em pé. "Óbvio, desse jeito eu também teria conseguido", disse um dos convidados, que ainda não percebera que aquilo não tinha sido um desafio, mas uma sutil resposta. Há coisas que parecem óbvias, fáceis ou até evidentes, depois de terem sido vistas, feitas ou ditas por alguém.
Uma coisa que intriga muita gente é a baixa exposição ao mercado acionário dos investidores locais. Uma das explicações mais freqüentes é de que no Brasil os investidores são muito conservadores e não estão dispostos a correr o risco do mercado acionário.
A teoria do prospecto de Daniel Kahneman descreve o comportamento do investidor em duas equações, montadas em função de parâmetros comportamentais. Certamente o mais importante deles é o coeficiente de aversão a perdas que Kahneman estimou em 2,25 num experimento realizado por ele em 1992, com alunos de Berkeley e Standford. O coeficiente quer dizer que a perda de uma unidade monetária gera desgosto que só pode ser compensado pelo ganho de 2,25 unidades.
Se de fato existisse algum viés comportamental que inibisse o investidor brasileiro a aplicar em ações, seria de esperar que os parâmetros da teoria do prospecto calculados no Brasil fossem diferentes dos obtidos nos EUA.
Para verificar isso, fui até o laboratório de economia experimental da Fundação Getúlio Vargas. Segui à risca todo o procedimento feito por Kahneman e apliquei a um grupo de participantes exatamente as mesmas perguntas feitas no experimento de 1992. Foi solicitado aos estudantes que optassem entre participar de 64 jogos, nos quais os ganhos (ou perdas) dependiam de probabilidades, ou receber (ou pagar) um valor fixo e desistir de jogar. Todas as perguntas seguiam o seguinte modelo: "Suponha um jogo no qual você tem 90% de chance de ganhar zero e 10% de chance de ganhar R$ 50,00". Os participantes então deviam escolher o valor fixo a ser recebido, pelo qual desistiriam do jogo. Variavam, de uma pergunta para outra, o valor, as probabilidades e se o jogo se referia a chances de ganhos, de perdas ou a uma combinação de ambas.
Os resultados do experimento foram surpreendentemente parecidos aos encontrados nos EUA, a começar pelo coeficiente de aversão a perdas que foi estimado em 2,21 para o Brasil, contra os 2,25 dos Estados Unidos.
A conclusão a que se chega é bastante simples: se acreditamos que a teoria do prospecto de fato explica a forma como as pessoas se posicionam perante o risco, temos de aceitar que a diferença entre o percentual alocado em bolsa no Brasil e nos EUA não se deve a fatores comportamentais.
De certa forma, esta constatação traz esperança sobre o crescimento futuro do mercado acionário brasileiro já que, segundo as conclusões do estudo, não há nada de comportamental que impeça o brasileiro de alocar em risco e, assim sendo, a grande diferença entre as alocações no Brasil e nos Estados Unidos é explicada pelo retorno dos ativos, dentre eles o nível da taxa básica de juros e o prêmio de risco do mercado acionário ("Equity Premium").
A mesma conclusão pode ser vista de outro ângulo. Se os investidores americanos fossem submetidos às condições do mercado brasileiro, teriam basicamente a mesma alocação que os investidores locais, ou seja, uma aparentemente baixa exposição à bolsa.
Se acreditarmos que num futuro próximo os retornos dos ativos serão ajustados com a redução da taxa básica de juros, podemos acreditar que o mercado brasileiro de ações pode vir a se tornar, em termos proporcionais, tão importante e relevante como o dos EUA.
Bem. Se por um lado a constatação da semelhança entre os investidores americanos e brasileiros me parece um fato novo e de extrema importância, por outro lado, sendo bem sincero, o fato de o nível de juros ser um dos principais fatores que inibem o investidor brasileiro a aplicar em bolsa era algo que mesmo antes do teste de laboratório já me parecia óbvio... tal qual o ovo.
Martin Casals Iglesias é gerente sênior do Wealth Management Services do BankBoston
1 Comments:
ler todo o blog, muito bom
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