segunda-feira, julho 31, 2006

Deformações e Assimetrias

Deformações e Assimetrias

8 de Março de 2005 - No livro "Profiting from Chaos" (McGraw-Hill; NY; 1994), o físico Tonis Vaga traça uma curiosa analogia entre o golfe e o comportamento dos mercados financeiros. Em primeiro lugar, ele analisa as variáveis envolvidas na execução de um "putt", uma tacada leve e de precisão, executada no "green", com o intuito de colocar a bola no buraco. Segundo Vaga, a dispersão desta jogada em torno do objetivo obedece a uma distribuição normal, aonde as variáveis determinantes, como o alinhamento do taco, o tipo de grama, a inclinação do terreno e eventuais deformações no "green" causadas pelo uso têm uma influência linear na trajetória da bola, e podem ser eficientemente neutralizadas pelos profissionais. Já o "drive", uma tacada forte e longa, executada no "fairway", está sujeita a fatores que levarão a uma dispersão não-linear nas trajetórias observadas, e darão origem a uma distribuição bi-modal (assimétrica). Quanto mais forte for o golpe, maior será a deformação temporária da bola, e o spin (efeito da bola girando sobre si mesma). Estes dois fatores juntos potencializam qualquer erro no alinhamento do taco em relação à bola, e tornam a trajetória de um "drive" imprevisível.

O mais interessante é que existe um viés pessoal, já que a bola de alguns jogadores desvia com mais freqüência para a esquerda (hook) e de outros para a direita (slice). O campeão Jack Nicklaus, cujo "drive" sempre foi considerado um exemplo de consistência, utilizava constantemente uma técnica chamada "fade", que consiste em "abrir" ligeiramente o ângulo do taco em relação à bola, e alinhar a posição do corpo e o taco, um pouco à esquerda do objetivo desejado, fazendo com que o efeito que a bola pega para a direita minimize a imprevisibilidade da tacada e virtualmente elimine a possibilidade de um "hook". Quando o objetivo é evitar que a bola desvie para a direita (slice), a jogada indicada é o "draw", que é quase simétrica ao "fade", sendo que a trajetória da bola é mais curta e mais baixa.

A utilização de técnicas como o "fade" e o "draw" não eliminam o risco de dispersão, mas permitem ao golfista profissional trazer alguma "coerência" à aparente imprevisibilidade do jogo, e possibilitam a implementação de uma estratégia, cuja meta é fazer com que as chances passem a ficar do seu lado. E isto só é obtido com um profundo entendimento dos fatores de risco, e das variáveis que podem interferir no resultado.

Daniel Kahneman, professor de Psicologia da Universidade de Princeton, e ganhador do prêmio Nobel de Economia (?!) de 2002, em uma de suas palestras no World Economic Forum (2002) levantou a seguinte questão: "Se a tentativa de obter lucro nos mercados financeiros é perda de tempo, como afirma a teoria econômica tradicional, por que tantos investidores fazem fila para comprar o que os outros querem vender?" Segundo ele, estudantes de introdução à mecânica newtoniana aprendem o comportamento dos corpos físicos, num mundo sem atrito, e estudantes de introdução à economia aprendem sobre o comportamento dos mercados, num mundo povoado por agentes racionais, "dotados de uma perfeita habilidade para utilizar informação incompleta".

Segundo ele, "o não uso do atrito e dos limites da racionalidade dão origem a uma matemática elegante e à simplicidade das leis, tanto para a física quanto para as ciências econômicas. Mas uma diferença surge quando as teorias são aplicadas no mundo real. O atrito dificilmente será ignorado pelos engenheiros que constróem estradas, enquanto as limitações à racionalidade são normalmente deixadas de lado pelos engenheiros sociais (economistas)".

As idéias acima são a base de uma teoria, desenvolvida por Kahneman em parceria com o também psicólogo Amos Tversky, chamada de "Prospect Theory" (Teoria da Perspectiva). Segundo Kahneman, uma das características da percepção humana em relação ao risco é que pequenas amostras de dados são interpretadas como sendo representativas de todas as possibilidades de ocorrências, fenômeno conhecido como "Lei dos Pequenos Números". Ao que ele também se refere como "excesso de confiança, na habilidade de identificar propriedades estruturais, a partir da observação de uma limitada seqüência de fatos", um viés que induz à "interpretação de eventos de pequena probabilidade, como eventos de probabilidade igual a zero, ignorando que pequenas probabilidades se acumulam com a inclusão de novos eventos, e podem com o passar do tempo levar à catástrofe".

Este conceito veio chamar a atenção para um viés estatístico, comum nos mercados financeiros, chamado de "Skewness Negativo" (ver gráfico). Este tipo de assimetria acontece a partir da utilização, por parte de gestores de carteiras e fundos, de estratégias de trading, com uma grande probabilidade de ganhar pouco e uma pequena probabilidade de perder muito. E confirma, desta forma, a observação de que os gestores, em sua maioria, optam por estratégias que apresentam ganhos pequenos e regulares, mesmo que correndo o risco de uma eventual perda substancial. Existe, inclusive, boa evidência empírica confirmando este fenômeno, já que um grande número de fundos, anteriormente reconhecidos por sua consistência em gerar retornos, acabaram tendo perdas significativas, como: Long Term Capital, Manhattan Fund, Granite Fund, Tiger Management, Fenchurch Capital, V. Niederhoffer, D.E. Shaw, etc...

Uma interpretação curiosa, apesar de relativamente psicótica, deste viés, foi apresentada por Nassim Taleb no livro "Fooled by Randomness" (Texere; 2004), e aponta como provável causa para o "Skewness Negativo" a fraude (Moral Hazard) ou má fé. E especula que um gestor de recursos de terceiros, motivado pelo fato de a periodicidade do pagamento de "performances fees" ser inferior à periodicidade de ocorrência de eventos de grande magnitude que podem causar grandes perdas, tende a priorizar estratégias que criem uma ilusão de previsibilidade para o investidor, através da obtenção de um fluxo "quasi" constante de retornos positivos.

Exemplos muito populares de eventos, que apresentam a assimetria de risco descrita acima são: venda de opções de compra cobertas (Covered call writing); venda de opções "longe do preço de exercício" (Out-of-the-money); empréstimos a taxas de juros exorbitantes; taxas de câmbio fixas; operações de arbitragem estatística; operações de arbitragem entre ativos correlacionados; operações de arbitragem de taxas de juros entre moedas; percepção do automóvel como meio de transporte mais seguro que o avião; venda de prêmios de seguro; medo de usinas nucleares; etc...

Fica claro na análise de Kahneman que há um viés simplificador nas "escolhas" feitas pelos agentes econômicos, que não se enquadra no perfil de "racionalidade e maximização de utilidade e retorno", essenciais à teoria econômica tradicional. Esta impulsividade nas tomadas de decisão se adequa melhor ao perfil, traçado pelos biólogos, de um homem caçador e coletador, em constante luta pela sobrevivência e em competição com o meio ambiente, aonde o cérebro necessita de respostas rápidas para o risco representado por outros predadores, pelo próprio homem e pela necessidade de obtenção de alimento em bases diárias.

Portanto, é perceptível que a teoria econômica ortodoxa se baseia em hipóteses simplistas, que, além de buscarem objetivos estéticos, permitirão a utilização de uma metodologia linear na busca das soluções.

A melhor forma, no entanto, de lidar com sistemas complexos que apresentam assimetrias e comportamento não-linear é através de métodos probabilísticos que utilizam computação intensiva. E que terão como objetivo dimensionar e identificar com robustez os verdadeiros fatores de risco, e perseguir uma linha de ação que vá tirar proveito das características inerentes ao sistema. E não, ignorar algumas características fundamentais, e escolher um pequeno número de variáveis lineares com o fim de "modelar" a complexidade observada, através do uso de uma matemática simples e elegante, e papel e lápis, para a obtenção de um resultado "ótimo".

É através do reconhecimento dos limites da racionalidade, e do aperfeiçoamento de estratégias e técnicas eficientes, como é feito no golfe, que será possível controlar, gerenciar e minimizar a imprevisibilidade e o risco envolvidos no processo decisório, em ambientes e situações em que o nosso entendimento é reconhecidamente limitado e imperfeito.

((Gazeta Mercantil/Finanças & Mercados - Pág. 2)(Luiz Alfredo A. Rangel - ) Economista e consultor em Controle de Riscos e Métodos QuantitativosEspecial para a Gazeta MercantilE-mail: artmann@gazetamercantil.com.br)