Sorte no mercado chinês

Uma reportagem do Wall Street Journal, 28/05/2007, mostra como a questão da superstição afeta o investimento no mercado acionário chinês:

Nas bolsas chinesas, a chave está no '8'
James T. Areddy, The Wall Street Journal
The Wall Street Journal Americas

XANGAI — Quando um amigo lhe deu várias dicas de investimentos acionários no ano passado, Yan Caigen comprou 30.000 ações de uma delas, uma fabricante de cimento. O motivo: o código da empresa, 600881, continha dois auspiciosos oitos.

"Eu acredito que bons códigos dão boa sorte", diz Yan, que passa quase todos os seus dias diante do monitor na corretora Shenyin & Wanguo Securities Co., de Xangai. De fato, a ação da Jilin Yatai Group Co., a fabricante de cimento em que ele apostou, rapidamente triplicou, gerando um lucro de US$ 50.000. Yan atribui o desempenho aos dois "8" no código numérico da ação, que ele considera uma combinação que dá sorte.

Parte superstição, parte profecia auto-realizável, a numerologia é uma estratégia básica da negociação de ações na China. Ela mostra como é amplamente disseminada na sociedade chinesa a crença de que os números contêm pistas para a boa sorte.

É uma crença pouco notada e que vem alimentando a alta das bolsas da quarta maior economia do mundo, cuja influência sobre outros mercados acionários tem crescido, como ficou evidente em fevereiro, quando uma forte queda em Xangai derrubou bolsas ao redor do planeta, de Frankfurt a São Paulo. O Índice Composto de Xangai subiu mais de 56% neste ano e já quadruplicou seu nível de meados de 2005, uma alta que vem gerando temores de uma bolha no mercado.

O fervor dos investidores com a numerologia também ajuda a explicar por que o governo chinês não tem conseguido esfriar o entusiasmo nas bolsas através de medidas convencionais, como a restrição ao crédito na semana passada.

Para observadores do mercado, a confiança dos investidores chineses no poder profético dos números — em vez de fundamentos econômicos, como perspectivas de negócios ou lucro — é um dos muito sinais de que o investimento nas bolsas de Xangai ou de Shenzhen parece uma jogatina.

As corretoras são organizadas como se fossem cassinos. Os investidores tomam chá, fumam e conversam enquanto negociam em máquinas parecidas com caça-níqueis. Em vez de colocar moedas, eles passam o cartão para pagar pelas ações.

"Somos investidores individuais. Geralmente escolhemos às cegas qual ação vamos comprar", diz Chen Guoan, investidor de Xangai. Alguns distribuem cigarros para congratular os amigos quando a ação sobe.

Pessoas comuns, que geralmente entendem pouco ou nada de finanças, representam de 60% a 80% dos investidores na China. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mercado é dominado por gigantes financeiros como Goldman Sachs Group Inc., Merrill Lynch & Co. e Fidelity Investments Inc. "Vêem-se coisas estranhas com as ações, com números e códigos da sorte", diz Jing Ulrich, presidente de investimentos na China do J.P. Morgan Chase & Co. "Isso reflete um mercado muito imaturo."

A maioria da classe média urbana da China não tem dinheiro nos quase 100 milhões de contas de corretagem do país. Novos investidores em número recorde, geralmente com pouco conhecimento sobre a mecânica do mercado, também estão entrando de cabeça nas bolsas, abrindo em média mais de 100.000 novas contas por dia neste ano. O governo já alertou para o perigoso nível de especulação, já que os investidores estão financiando suas compras de ações com empréstimos ou cartões de crédito. Nas últimas semanas, o valor diário do volume de transações chegou a quase US$ 50 bilhões.

A falta de uma imprensa livre na China e as restrições que as autoridades impõem ao que os analistas podem dizer publicamente deixam os investidores vulneráveis a teorias de negociação inusitadas. Eles em geral se valem de conselhos como o de usar roupas vermelhas, que representam um mercado "aquecido", e a evitar referências ao "pai", já que a palavra em chinês é homônima para "queda".

— Tang Hanting e Ellen Zhu colaboraram neste artigo.