domingo, março 31, 2013

Baixaria


No início, os deuses da tecnologia criaram a internet e viram que era algo bom. Finalmente havia um espaço público com potencial ilimitado para um debate racional e uma troca de ideias, uma espécie de ponte para ampliar os horizontes ligando as muitas barreiras geográficas, sociais, culturais, ideológicas e econômicas que nos separam na vida, uma maneira de fazer as coisas livremente. 

Mas então alguém inventou a seção de “comentários do leitor” e o paraíso foi perdido. 

A internet, deve ser dito, ainda é um lugar maravilhoso para o debate público. Mas quando se trata de ler e compreender artigos online – como este, por exemplo – este meio pode ter um efeito surpreendente poderoso sobre a mensagem. Uma pesquisa feita por nós mostrou que comentários de alguns leitores podem distorcer, e muito, o que outros leitores acham daquilo que foi inicialmente informado nos artigos e notícias. 

Mas, neste caso, não é o conteúdo dos comentários que importa. É o tom deles. 

 No nosso estudo publicado online no mês passado na revista acadêmica The Journal of Computer – Mediated Communication, nós dois e mais três colegas relatamos um experimento para medir o que pode ser chamado de “efeito grosseria”. 

  Selecionamos 1.183 participantes e pedimos para lerem cuidadosamente um post de um blog fictício em que eram explicados os riscos e os benefícios potenciais de um novo produto tecnológico chamado “nanopartícula de prata”. De acordo com o artigo no blog, estes elementos minúsculos de prata, mais finos do que 100 bilionésimos de um metro em qualquer dimensão, têm vários benefícios potenciais (como propriedades antibacterianas) e riscos (como contaminação da água). 

  Em seguida, os participantes eram instruídos a ler os comentários, supostamente publicados no blog fictício por outros leitores, para depois responder às perguntas sobre o conteúdo do próprio artigo. 

  Metade dos participantes foi exposta aos comentários de leitores mais civilizados e a outra metade, às opiniões mais grosseiras – em ambos os grupos, o conteúdo, a extensão e a intensidade dos comentários eram equivalentes, embora variassem entre os que apoiavam a nova tecnologia e os mais cautelosos em relação aos riscos. 

  A única diferença era que os comentários grosseiros continham palavrões ou insultos pessoais como “Se você não vê benefícios no uso da nanotecnologia neste tipo de produto, você é um imbecil” ou “Você é estúpido se não pensa nos riscos para os peixes, plantas e outros animais por causa da água contaminada com prata”. 

  Os resultados do experimento foram surpreendentes e perturbadores. Os comentários mais grosseiros não só polarizaram os leitores que participaram da pesquisa, mas com frequência mudaram a interpretação deles sobre o próprio conteúdo do artigo. 

  No grupo exposto às reações mais contidas, tanto os participantes que apoiaram a nova tecnologia quanto os que a desaprovaram ao ler o texto mantiveram sua opinião depois de ler os comentários. Já os outros participantes, que leram as manifestações grosseiras, ficaram depois com uma compreensão mais polarizada sobre os riscos da nanopartícula fictícia. 

  O simples fato de haver um ataque pessoal no comentário de um leitor foi suficiente para fazer os participantes pensarem que as desvantagens da tecnologia fossem maiores do que eles haviam imaginado antes ao ler o texto. 

  Embora seja difícil quantificar os efeitos distorcivos dessa grosseria online, ela ocorre de maneira substancial e particularmente – talvez ironicamente – na área do jornalismo científico. 

  Cerca de 60% dos norte-americanos que buscam se informar sobre assuntos científicos afirmam que a sua fonte primária de informação é a internet – ela aparece no topo sobre qualquer outra fonte de notícias. 

  Novas regras. A situação em que vivemos, de uma mídia online emergente, criou um novo fórum público sem as tradicionais normas sociais e o autocontrole que normalmente influenciam nossas trocas de ideias cara a cara com uma pessoa – e este meio determina cada vez mais aquilo que sabemos e o que achamos que conhecemos. 

  Claro que uma estratégia possível para diminuir o efeito da grosseria é fechar completamente o espaço de comentários, como algumas empresas de comunicação e blogueiros fazem. Por exemplo, o post no blog de Paul Krugman, no New York Times, publicado no dia que marcou os dez anos dos atentados de 11 de setembro de 2001, terminou simplesmente com: “não vou permitir comentários neste post, por razões óbvias”. 

  Outras organizações de mídia adotaram regras para favorecer a civilidade entre os leitores de seus sites ou para receber comentários de usuários mais moderados. 

  Mas, como dizem, é só para enxugar gelo. A interação do leitor é parte do que faz a internet ser a internet, como também o Facebook, Twitter e qualquer outra plataforma de mídia social. Este fenômeno só vai ganhar mais impulso à medida que avançamos para um mundo de celulares e TVs inteligentes em que qualquer tipo de conteúdo se incorpora imediatamente ao fluxo constante de comentários e aos contextos sociais. 

  É possível que as normas sociais neste admirável domínio novo mudem mais uma vez – e que os usuários passem a rejeitar ataques mesquinhos de alguém que assina com um pseudônimo e, em vez disso, cultivem o debate civilizado. Até então, tenham cuidado com o efeito grosseria.

O efeito da baixaria - 10 de março de 2013 - Estado de S Paulo - Link - / Tradução de Terezinha Martino - Dominique Brossard e Dietram A. Scheufele

segunda-feira, março 25, 2013

Efeito Mateus

O termo “efeito Mateus” foi criado pelo sociólogo Merton na década de sessenta. A inspiração está numa história da bíblia (existente no Evangelho de Mateus - foto), contada por Jesus, onde o senhor deu a três empregados 5, 2 e 1 talento. O que recebeu mais conseguiu duplicar o dinheiro; aquele que recebeu 2 talentos também dobrou a quantia; mas aquele que recebeu 1 talento escondeu seu dinheiro embaixo da terra, com medo de roubarem. Ao pedir conta do dinheiro, o senhor repreende o servo que recebeu 1 talento, dizendo que ele foi mau e preguiçoso: “tirai este talento e daí ao que tem dez. Dar-se-á ao que tem e terá em abundância. Mas ao que não tem, tirar-se-á mesmo aquilo que julga ter”.

Merton usou esta parábola para caracterizar as situações onde pequenas diferenças iniciais são ampliadas no tempo. Malcolm Gladwell, no livro Outliers, conta o caso dos meninos que são selecionados para compor um time de futebol. Em geral esta seleção é feita por idade. Assim, os garotos de oito anos serão selecionados para formar um grupo de jogadores com esta idade. O problema é que o menino que nasceu em janeiro tem uma vantagem sobre o garoto que nasceu em dezembro de quase um ano. Esta pequena vantagem inicial faz com que a criança que nasceu em janeiro seja considerada como mais apta ao esporte que seu colega que tem dezembro como data de nascimento. Assim, os garotos que nasceram no início do ano acabam prevalecendo sobre os demais. Isto caracteriza o efeito Mateus.

Três pesquisadores tentaram verificar a existência do efeito Mateus na área acadêmica. Pierre Azoulay, Yanbo Wang e Toby Stuart usaram artigos científicos para verificar se os pesquisadores, e seus artigos, que foram premiados com o Howard Hughes Medical Investigator sofriam a influencia da fama. A resposta foi afirmativa. E o efeito Mateus é significante quando existe uma incerteza sobre a qualidade do artigo. Isto ocorre, por exemplo, quando estou na dúvida se um artigo é bom, mas diante de um nome conhecido, decido ler.

Apesar disto, os autores fazem um alerta: o efeito Mateus é superestimado na literatura. Isto justifica o título do artigo: efeito ou fábula?

Fonte: Azoulay, Pierre; Wang, Yanbo; Stuart, Toby. Matthew: Effect or Fable? Working paper, dez 2012,

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segunda-feira, março 18, 2013

Economia e Língua


Inúmeras pesquisas comprovaram que o comportamento das pessoas é afetado por diversas variáveis. Uma pesquisa recente mostrou que a língua também tem seu papel em decisões como economizar, fazer exercícios, fumar e usar camisinha.

Keith Chen, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, investigou como as diferentes línguas faziam distinção entre eventos presentes e futuros. Enquanto no inglês você diz “It will rain tomorrow”, no alemão a mesma frase é “morgen regnet”. A diferença entre as duas línguas é que o inglês exige, para formar a frase, o uso do “will”, que indica que a ação irá ocorrer no futuro. Assim, a distinção entre o evento no futuro é mais forte na língua inglesa que no alemão.

Chen perguntou se esta distinção, que ocorre entre várias línguas, pode influenciar as chamadas “escolhas intertemporais”.  Estas escolhas estão presentes na vida diária de cada um de nós, como assistir televisão em lugar de fazer exercício físico numa manhã de terça-feira. Quando eu decido fazer uma atividade mais saudável, a escolha terá diversos reflexos no futuro.

O estudo partiu da suposição que quando a língua faz uma grande distinção entre as ações do presente e do futuro, isto poderá afetar as escolhas intertemporais. Nas línguas onde a distinção entre presente e futuro não é forte, as pessoas seriam mais econômicas? E teriam mais hábitos saudáveis?

Chen encontrou que esta distinção afeta muitas decisões das pessoas. Ele usou uma grande base de dados sobre o comportamento das pessoas em diversos países e relacionou com a presença (ou ausência) de uma referência ao tempo futuro (FTR, na abreviatura do autor). A comparação levou em consideração as características idênticas de renda, educação, família, entre outras. Pessoas com fraca FTR, como é o caso dos alemães, são mais econômicos (31% a mais), guardam mais dinheiro para aposentadoria (39% a mais), provavelmente fumam menos (24%), fazem mais atividade física (29% a mais) e são menos propensos a obesidade (13% a menos).

Mesmo em países que usam mais de uma língua, como é o caso da Suíça, a diferença persiste. E os países que possuem fraca FTR economizam, em média, 6% a mais do PIB por ano. Na conclusão da pesquisa, Chen afirma acreditar que os resultados encontrados indicam que a língua pode ser a causa, não o reflexo, de algumas das diferenças.

Ao ler o texto fiquei pensando como é importante que pesquisas ousadas sejam realizadas na academia. Para um leigo, seria difícil imaginar a relação entre decisões econômicas e efeito da língua. Mas a criatividade de um pesquisador permitiu que se possa entender um pouco melhor as escolhas intertemporais. 

CHEN, M. Keith. The Effect of Language on Economic Behavior: evidence from savings rates, health behaviors, and retirement assets. American Economic Review, vol. 103, n. 2, 2013 (a ser publicado brevemente). Aqui uma versão preliminar do texto.

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