quarta-feira, fevereiro 24, 2021

Viés da confirmação, imprensa e pandemia


Um estudo procurou verificar como as pessoas comportam com a seleção e o processamento de informação durante a pandemia do Covid-19. Olhando como as pessoas selecionavam as notícias consumidas, os pesquisadores apresentavam notícia ou otimista ou pessimista. Em um grupo, também mostravam a fonte da informação (New York Times ou Fox News). A conclusão foi que o viés da confirmação foi relevante no processo. Por exemplo, um pessoa pessimista, por exemplo, dedicava mais atenção para a notícia pessimista. 

Eis o abstract:

How people form beliefs is crucial for understanding decision-making under uncertainty. This is particularly true in a situation such as a pandemic, where beliefs will affect behaviors that impact public health as well as the aggregate economy. We conduct two survey experiments to shed light on potential biases in belief formation, focusing in particular on the tone of information people choose to consume and how they incorporate this information into their beliefs. In the first experiment, people express their preferences over pandemic-related articles with optimistic and pessimistic headlines, and are then randomly shown one of the articles. We find that respondents with more pessimistic prior beliefs about the pandemic are substantially more likely to prefer pessimistic articles, which we interpret as evidence of confirmation bias. In line with this, respondents assigned to the less preferred article rate it as less reliable and informative (relative to those who prefer it); they also discount information from the article when it is less preferred. We further find that these motivated beliefs end up impacting incentivized behavior. In a second experiment, we study how partisan views interact with information selection and processing. We find strong evidence of source dependence: revealing the news source further distorts information acquisition and processing, eliminating the role of prior beliefs in article choice.

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terça-feira, fevereiro 09, 2021

Felicidade e Idade

  

Será possível medir a "felicidade"? Bom, se for possível, eis um gráfico interessante que associa felicidade com a idade (via aqui). Quando estamos na adolescência, somos imensamente felizes. Mas vamos envelhecendo e ganhando responsabilidades e nosso nível de felicidade diminui. A idade dos 50 é muito ruim mesmo: percebemos que estamos envelhecendo e somos um fracasso. Mas depois disto, a felicidade aumenta de forma surpreendente. 

A felicidade tem um formato de U. Ou talvez seja a expressão dos nossos lábios, ao sorrir. 

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quarta-feira, fevereiro 03, 2021

Desonestidade e Mentiras

Um artigo pergunta qual a razão de mentirmos tão pouco. Alguns trechos sobre a questão de desonestidade, a partir de um experimento:

(...) os resultados mostram que menos da metade das pessoas mentem, de acordo com um meta estudo recente; participantes que dizem a verdade o fazem mesmo que percam. Este mesmo estudo conclui que existem duas razões predominantes pelas quais as pessoas se recusam a mentir; o primeiro é o custo intrínseco da mentira: muitas pessoas se sentem mal e culpadas se não falam a verdade, mesmo que ninguém possa acusá-las, e por isso não o fazem; o segundo motivo é o custo social: embora ninguém possa provar que determinada pessoa mentiu, o participante sabe que, se disser que obteve um seis, há uma certa probabilidade (maior que zero) de o pesquisador suspeitar que ele mentiu. A soma do custo intrínseco e do custo social é suficiente para que a proporção de pessoas que preferem não mentir seja alta.

Junto com dois alunos do terceiro ano do Yale-NUS College (Cingapura), nós perguntamos como o comportamento dos participantes mudaria se os benefícios do engano fossem deixados para uma ONG de sua própria escolha (esse envolvimento pessoal é importante). Estariam mais propensos a mentir porque essa ação repreensível seria compensada com uma doação para uma boa causa? Ou, ao contrário, estariam mais relutantes em mentir porque o benefício altruísta não compensaria o sentimento de culpa? Para responder a essas perguntas, o experimento foi realizado com 500 alunos da Universidade Nacional de Cingapura. Fizemos 100 deles (selecionados ao acaso) jogarem dados sendo o dinheiro dado a cada participante. Dissemos a 100 outros, antes de lançar os dados, que o dinheiro iria para a ONG que cada um escolhesse. Assim que o dado foi lançado, a doação foi feita online antes (para garantir que a doação não fosse falsificada). Os prêmios variaram de um a seis dólares, conforme o número que o participante alegou ter sorteado, além de cinco dólares por ter participado do experimento. Para colocar essas quantias em contexto, com seis dólares você pode comer um jantar mais do que decente em qualquer lugar de Cingapura.

Fomos um pouco mais longe e fizemos mais três grupos de cem pessoas, cada um com uma distribuição diferente dos lucros entre o participante e a ONG escolhida pelo participante: 90% -10% no primeiro grupo, 50% -50% no segundo. e 10% -90% no terceiro. Queríamos saber se houve algum tipo de descontinuidade ou se a transição entre os dois grupos extremos (tudo para o participante e tudo para a ONG) é contínua (...)

Os resultados são mostrados na Figura 1. Ela representa para cada grupo a frequência com que cada número supostamente surgiu. Se ninguém mentisse, a distribuição seria relativamente uniforme (cada número de um a seis pareceria ter surgido 16,6% das vezes). Se todos mentissem, teríamos apenas a coluna de seis, que acumularia uma frequência de 100%. O que descobrimos é que em todos os grupos existem pessoas honestas (...) e que em todos os grupos existem pessoas que mentem. O valor não deixa dúvidas: os participantes mentem tanto mais quanto maior for a parte dos lucros que acumulam. No grupo em que todo o lucro foi revertido para a ONG (grupo e), 24,5% dos participantes afirmam ter obtido seis (50% a mais do que o esperado). Essa frequência cresce gradativamente à medida que aumenta a fração dos lucros que vai para o participante, até chegar a 32,4% das pessoas que afirmam ter obtido um seis no grupo em que guarda todo o dinheiro (grupo a), que é o dobro do esperado, se ninguém mentiu. É importante notar que o comportamento do grupo em que guardam tudo é muito semelhante ao do outro estudo quase parecido realizado em Cingapura apenas dois anos antes, bem como semelhante a centenas de experimentos com dados feitos em todo o mundo. Isso indica que nosso estudo não teve variações desconhecidas de comportamento.


Figura 1: Frequência de pessoas que afirmam ter sorteado cada número nos diferentes grupos do experimento.

O que esses resultados nos dizem? Que parece mais fácil mentir para si mesmo do que para os outros, por mais louvável que seja o final, e isso se mantém mesmo quando a pessoa se beneficia apenas parcialmente da mentira. Existem estudos anteriores ( aqui e aqui) que mostram que quando os ganhos são divididos igualmente entre o participante e outro participante anônimo, há uma tendência maior para mentir do que quando os ganhos são apenas para si mesmo. Porém, observamos que a proporção de mentiras é maior quando os lucros são exclusivamente para si. Qual é o motivo desta discrepância? Uma razão pode ser que poucas pessoas querem dar dinheiro “sujo” (obtido por engano) para uma causa nobre, como uma ONG, mas essa objeção ética não surge se o dinheiro for para outro participante. Isso também explicaria por que há menos pessoas mentindo no grupo em que todos os lucros foram dados a uma ONG do que em qualquer outra. Também pode ser que uma contribuição de poucos dólares seja vista como trivial para uma ONG (não vale a pena mentir por tão pouco),

De qualquer forma, o resultado mais interessante foi obtido graças a um pequeno questionário que passamos no final do experimento, depois de entregar o dinheiro ou, se for o caso, fazer a doação. Uma das dúvidas era se haviam mentido e descobrimos que, quanto maior a frequência de mentiras, menor a frequência de pessoas admitirem não ter falado a verdade. Em outras palavras: os mais relutantes em admitir que haviam trapaceado (apenas 3% deles) eram aqueles que ficavam com todo o dinheiro para si. Em contraste, calculamos que aproximadamente um em cada quatro participantes que mentiram admitiu para todos os outros grupos. Isso nos leva a supor que algum tipo de perdão social é concedido à mentira quando uma ONG se beneficia, mesmo com muito pouco, dela.

Embora existam estudos ( aqui , aqui e aqui ) que mostram quais características socio-demográficas podem explicar a inclinação para mentir, não identificamos que sexo, idade, escolaridade ou religião prediziam comportamento (nem outros: aqui , aqui e aqui ). Ainda temos algumas dúvidas em aberto, como, por exemplo, se esses resultados se repetem em outros países e culturas, ou se, ao contrário, são específicos de Cingapura. Alguém se atreve?

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segunda-feira, fevereiro 01, 2021

CRT e Desinformação

 

Tendo orientado a tese de Edzna Lucena (atualmente professora do mestrado da UFRN) e agora orientando a tese de Mayara Bezerra (professora da UFMA), ambas usando o CRT, o trecho a seguir chama a atenção. O CRT é um teste proposto por Frederick que se tornou famoso com o livro "Rápido e Devadar", de Kahneman. O nobel de Economia  defende o teste para verificar se as pessoas usam a impulsividade nas decisões. Eis o trecho que chamou a atenção:

Freqüentemente, as pessoas veem afirmações falsas e as compartilham impulsivamente, não porque não consigam descobrir que elas são falsas, mas porque não pararam o tempo suficiente para tentar. Identificar notícias falsas, (...) Pennycook e Rand descobriram que as pessoas com pontuação mais alta no teste de reflexão cognitiva de Shane Frederick também se saem melhor em distinguir a verdade da mentira politicamente partidária. Eles também realizaram uma pesquisa que descobriu que a maioria das pessoas era perfeitamente capaz de distinguir o jornalismo sério das notícias falsas

Em um mundo cheio de distrações, parar para pensar, antes de agir, talvez seja uma boa opção. 

Imagem: aqui

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