quinta-feira, setembro 24, 2009

Confiança

Palavra do gestor: Trauma impede que investidor desfrute recuperação
Paulo Sternick

Ibovespa em queda exagerada aos 29 mil pontos - com Petrobras a R$ 17 e Vale a R$ 21 correspondeu a um mundo que estava à beira do "colapso financeiro total", nas palavras do presidente dos EUA, Barack Obama. Este cenário ficou para trás, com a vantagem de ter deixado clarões de aprendizado, a experiência dos erros e a certeza de que poderemos sempre contar com a mão forte do Estado para evitar o desastre final. Mais do que isso: de agora em diante, a falácia do capitalismo neoliberal sem regulamentos, a crença na eficiência dos mercados e na racionalidade dos agentes econômicos não terão mais a absoluta confiança de um auditório iludido. A mão invisível do mercado, se não era de vidro e não se quebrou, certamente não poderá mais viver sem a mão amiga do Estado.

A percepção dos riscos tornou-se mais difundida do que antes e ganhou consistência. O mercado financeiro é como um grande e sólido navio a navegar ao mesmo tempo em mares previsíveis e em inesperadas correntes: quando estimulantes e promissoras, elas podem fazê-lo subir exageradamente, envolvendo-o numa bolha; se ela explode, o pânico faz todos correrem para o mesmo lado, e o navio pode virar. Estas situações são extremas e raras, mas não tão raras a ponto de evitar muitos prejuízos e a provocação de traumas. Há também traumas coletivos, capazes de ser transmitidos através de gerações. Por isso, o colapso de 1929 foi uma assombração que perpassou a crise que se agravou com a falência do Lehman Brothers, em setembro.

A psicanálise pensa o trauma como a experiência sofrida pelo indivíduo ou grupo diante de uma vivência de catástrofe. Uma de suas principais características - e o que ilumina seu efeito devastador sobre o equilíbrio mental - é o fato de produzir uma quantidade violenta e intensa de excitação, na forma de ameaça, angústia, sofrimento e dor, incapaz de ser suportada e digerida pelo sujeito. Exemplo mais conhecido e universal é o trauma do nascimento, que retira o bebê do aconchego do útero materno, lançando-o a um exílio que produz seus efeitos sob formas mais ou menos atenuadas ao longo da vida. O trauma de guerra é outra situação que fica registrada na mente, vivência que é reexperimentada subjetivamente de forma sofrida e repetitiva para além do cenário original que o causou.

Pois estas são as características de um acontecimento traumático: a impotência e o desamparo frente à situação original; a fixação emocional que insiste em se manter no psiquismo, infiltrando-se a cada vez que a situação original é evocada e reenviando o sujeito ao evento que o marcou. Portanto, a repetição das emoções provocadas pelo trauma não-elaborado e insuperado ocorre a cada situação que o relembre. Porque o sujeito não consegue transcender - simbolizando (pensando) e fazendo evoluir a situação catastrófica, portanto, contextualizando-a e diluindo-a. Ao contrário, há um automatismo nesta repetição, com a emergência do pânico que eclode de forma inadvertida e incontrolável a cada situação - geralmente inócua - que o relembre. Pois além do evento externo, o trauma tem seu registro na realidade psíquica.

A percepção da realidade atual, com suas novas configurações - o crédito voltando a fluir, os indicadores prenunciando a recuperação, as empresas resgatando até certo ponto os múltiplos de uma economia fora do perigo - fica eclipsada pela memória do trauma. O indivíduo presta culto ao acontecimento mítico que o assolou, fixando-se nele, como se não pudesse lhe ser infiel, numa incrível identificação com a situação agressiva. Fica incapaz de observar a eventualidade de uma recuperação que se desenrola como se fosse indiferente às vítimas da situação que a antecedeu.

Um dos estragos invisíveis e não computados da última crise financeira que agora anuncia sua estiagem são os investidores assolados por um trauma de perda. Há pouco, nas correções dos mercados em junho - que caíram após a forte alta de mais de 40% - muitos sentiram novamente o cheiro do ralo, isto é, o temor traumático de ver o patrimônio mais uma vez perder seu valor. Quem esquecerá facilmente os 29 mil pontos, depois de ter festejado 72 mil pontos? Agora que voltamos aos 55 mil, 56 mil pontos, a cada recuperação aumenta a vertigem do trauma, o pavor de reviver uma insensata e incontrolável queda, o terror e o pânico ante novo desabamento.

Valor - 21/8/2009

segunda-feira, setembro 21, 2009

Realização de prejuízos

Palavra do gestor: A relutância dos investidores em realizar seus prejuízos
Jan Karsten

No Quinto Congresso Anbid de Fundos de Investimento, tivemos o prazer de ouvir os ensinamentos do Prêmio Nobel de Economia doutor professor David Kahneman. Em virtude da excelente apresentação realizada por ele, me pareceu oportuno trazer um tema comentado pelo professor e tão atual: a relutância que os investidores têm em realizar prejuízos.

O primeiro estudo para testar o efeito disposição, ou seja, a tendência a realizar ganhos antes de perdas, foi realizado em 1999 por Terrance Odean, professor de finanças da Universidade da Califórnia ( Berkley), várias vezes mencionado pelo Dr. Kahneman.

Em 2005, resolvemos realizar o mesmo teste efetuado pelo professor Odean aqui no Brasil. Para tal investigamos o padrão de comportamento de 12 mil investidores entre pessoas físicas, pessoas jurídicas institucionais e não-institucionais que transacionaram na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Este trabalho foi possível graças à BM&F Bovespa, que nos forneceu gratuitamente uma amostra aleatória de investidores que realizaram mais de 600 mil transações entre 2001 e 2004.

O efeito disposição foi encontrado em todos os anos e para todos os investidores, com exceção dos investidores institucionais no ano de 2004. Para validar esse resultado isolamos alguns fatores como: vendas motivadas pela tributação e vendas motivadas pelo rebalanceamento do portfólio. Para quem não acompanhava o mercado financeiro naquela época, três ações apresentaram expressivas perdas entre 2001 e 2004: Embratel, Telesp Celular e Globo Cabo. Esta última, por exemplo, veio de R$ 16 para algo próximo a R$ 1.

A expectativa que tínhamos é que isolando as transações com tais ações a disposição em realizar mais perdas iria subir, afinal a tendência do investidor com papéis que sofreram expressivas perdas é mantê-los até que retornem ao nível de aquisição. O fato é que essas ações não eram as únicas que sofreram perdas neste período e pudemos assim comprovar que a aversão a realizar perdas cria uma inércia, ou seja, um desejo muito forte em manter o portfólio de investimentos intacto.

O desejo de evitar o sentimento de arrependimento gera essa inércia dos investidores. Eles têm a expectativa de que a ação com perdas retornará ao preço de aquisição e portanto, preferem realizar pequenos lucros com algumas ações a realizar um grande prejuízo com uma única ação. Mesmo que a ação que acumula prejuízo tenha perspectivas inferiores às demais ações do portfólio.

O professor Kahneman também citou que psicólogos e neurocientistas estão convergindo na descrição de como o nosso cérebro funciona. Essa descrição faz distinção entre dois tipos de pensamento, um que é intuitivo e automático e outro que é refletivo e racional. O primeiro é muito comum entre os investidores pessoas físicas, o segundo é consistente entre os investidores institucionais que conseguem alocar a sua atenção de forma mais eficiente. Na sua visão existem dois tipos de investidores pessoas físicas: os que procuram montar um portfólio mais de longo prazo e os que são operadores ativos, comprando e vendendo frequentemente. No trabalho de Odean, ficou evidente que os investidores mais ativos tomam decisões de investimentos equivocadas, pois, na média, as ações de empresas que eles vendiam subia 3,4% a mais do que as ações de empresas que eles compravam.

Apesar de o Ibovespa ter acumulado mais de 27% de rentabilidade acumulada no período de 2001 a 2004, os investidores individuais acumularam mais perdas do que ganhos. Também mantiveram em suas carteiras, na média, uma ação por 100 dias úteis versus investidores institucionais, que seguraram uma ação por 213 dias úteis. O estudo do efeito disposição mostra que os investidores não têm a disciplina de analisar as ações que acumulam perdas e reavaliar se é o momento de se desfazer dessas ações em detrimento de novas com perspectivas melhores para o futuro. Isso foi comprovado por esse estudo com as ações de Embratel, Globo Cabo e Telesp Celular e, mais recentemente, com as empresas que realizaram aberturas de capital.

Usando as palavras do professor Kahneman, os investidores individuais operam demais e na média tomam decisões de investimento equivocadas. O professor reforçou que os assessores profissionais têm uma responsabilidade muito importante no aconselhamento de investidores, como: impor uma disciplina para investir para o longo prazo; não ficar monitorando excessivamente a carteira de investimento e evitar que os investidores desenvolvam um excesso de confiança.

Jan Karsten ,diretor de investimentos do Citibank Brasil
Valor Econômico – 20/8/2009

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domingo, setembro 20, 2009

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