sexta-feira, abril 29, 2022

Volta ao Trabalho


Qual a razão de estar sendo tão difícil de voltar ao trabalho? Antes da pandemia, eu ficava na minha sala na universidade o dia inteiro. Gostava dos meus poucos metros, onde podia trabalhar, tomar café e ler. 

No início de junho terei que voltar as minhas atividades na universidade. Em dois anos, estive uma vez na minha sala, há duas semanas. Confesso que não senti muita saudade. Uma pesquisa de 2010 ajuda a entender a razão da dificuldade que temos em voltar para nosso espaço no local de trabalho. Tim Harford resumiu esta pesquisa no seu blog:

Em 2010, os psicólogos Alex Haslam e Craig Knight montaram um experimento no qual os participantes foram solicitados a executar tarefas administrativas simples em vários espaços de escritórios. Eles testaram quatro layouts de escritório diferentes. Um foi despojado: mesa nua, cadeira giratória, lápis, papel, nada mais. O segundo layout foi suavizado com plantas de vaso e imagens florais quase abstratas. Os trabalhadores desfrutaram desse layout mais do que o minimalista e fizeram um trabalho melhor lá.

O terceiro e o quarto layouts foram superficialmente semelhantes, mas produziram resultados dramaticamente diferentes. Em cada um, os trabalhadores foram convidados a usar as mesmas plantas e imagens para decorar o espaço, antes de começarem a trabalhar, se assim o desejarem. Mas em um deles, o pesquisador entrou depois que o sujeito terminou de decorar e depois reorganizou algo. A diferença física foi trivial, mas o impacto na produtividade e na satisfação no trabalho foi dramático. Quando os trabalhadores tiveram o poder de moldar seu próprio espaço, eles fizeram mais e melhor trabalho e sentiram muito mais conteúdo. Quando os trabalhadores foram deliberadamente destituídos, seu trabalho sofreu e, é claro, eles o odiavam. "Eu queria bater em você", admitiu um participante mais tarde.

Não era o ambiente em si que era estressante ou perturbador - era a falta de controle.

Em nossa casa temos uma percepção de controle maior. O espaço que trabalho é quase do mesmo tamanho da minha sala na universidade. Mas posso trazer uma cadeira de outro local, ir ao banheiro sem topar com um desconhecido ou ter que escutar o discurso que sai de um carro.

Foto: Nick Morrison

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quarta-feira, abril 27, 2022

Competições de debate ajudam a entender o radicalismo

 

Como entender um pouco o radicalismo de nossas redes sociais? Uma pesquisa realizada nas competições de debates, onde os debatedores recebem a posição, a favor ou contra, sobre um assunto e precisam defender sua posição, pode dar uma pista sobre o assunto. Um resumo acessível pode ser encontrado aqui.

A pesquisa acompanhou as competições em diferentes fases. Quando a pesquisa começa, acredita-se que exista uma posição de equilíbrio sobre um determinado tema. Por exemplo, a favor ou contra entregar celular para uma criança. Quando o assunto é divulgado e feito o sorteio, há um tempo de preparação - de 15 minutos. Logo a seguir, os pesquisadores entrevistaram os participantes. Veja no gráfico que os pontos vermelhos distanciam dos pontos azuis, indicando que cada lado acredita na sua posição. (No gráfico, os pontos vermelhos representam quem é a favor da posição debatida, estando como "defensores"; os pontos azuis é quem é a favor da posição debatida, estando como "opositores") 

Após uma hora de debate, novamente os pesquisadores investigam as crenças, as confianças e as atitudes (as três partes do gráfico), revelando que ocorreram mudanças durante a competição. O ato de debater - mesmo antes do debate - faz com que as pessoas assumam sua posição de forma mais forte. É como se as pessoas "vestissem a camisa" do seu lado. 

Uma possibilidade de evitar o radicalismo é fazer algo que muitas pessoas já sabem: não entrem na discussão, pois isto aumenta a polarização. É algo que me faz lembrar a razão pela qual os ingleses gostam de falar sobre o tempo; ao contrário da política e do futebol, é muito difícil polarizar quando discutimos se amanhã irá chover ou se a temperatura está agradável. 


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terça-feira, abril 26, 2022

Morte da economia comportamental?

 


Jason Hreha escreveu um artigo com o chamativo título de “The death of behavioral economics” (A morte da economia comportamental) O principal ponto considerado por Hreha é o fato de que a aversão a perda está sendo “questionado” por pesquisas mais recentes.

Parte do debate conduzido por Hreha está no método empregado pelos criadores/divulgadores do conceito. Hreha questiona fortemente as referências usadas por Kahneman e Tversky, assim como a forma como fizeram a pesquisa. Há uma boa resposta a estas acusações no Astral Codex e minha sugestão é a leitura https://astralcodexten.substack.com/p/on-hreha-on-behavioral-economics dos argumentos apresentados no longo texto existente lá. Como Hreha cita uma pesquisa de Gal e Rucker recente, Scott Alexander, do Astral, rebate com alguns bons argumentos. A pesquisa de Gal e Rucker parece indicar que a aversão a perda seria consequência de outros viéses, especialmente o efeito propriedade (ou efeito dotação) e o status quo. Mas os pesquisadores não dizem que a aversão não existe, mas somente que talvez não seja a principal explicação para o que ocorre na prática.

Você não pode usar este artigo (Gal e Rucker) para argumentar que “a economia comportamental está morta”. Na melhor das hipóteses, o artigo prova que a aversão à perda é melhor explicada por outros conceitos econômicos comportamentais. Mas você não pode se livrar completamente da economia comportamental.

Mesmo as críticas que indicam que os experimentos foram realizados com estudantes de graduação, foram rebatidos por outros experimentos, realizados com pessoas que possuem elevada renda e mesmo assim possuem aversão a perder pequenas quantias.

O outro ataque de Hreha é sobre as cutucadas. O foco é o fato de que as cutucadas possuem um efeito pequeno, de 1,5%. Alexander argumenta que 1,5% pode ser pequeno em certas situações, mas quando o Uber usa as cutucadas, 1,5% sobre 10 bilhões significa 100 milhões, o que é muito dinheiro. Quando você considera 1,5% sobre 90 milhões de pessoas que não querem vacinar ou são preguiçosos demais, são 1,4 milhão de vacinados.

É normal que críticas irão surgir contra os conhecimentos que temos hoje da economia comportamental (ou das finanças comportamentais). Mas é necessário distinguir entre uma crítica sem fundamento, de uma revisão científica bem feita. Parece não ser o caso das considerações de Hreha.

domingo, abril 24, 2022

Meios de pagamentos e finanças pessoais


Quando postergamos o pagamento, a análise sobre a vantagem da decisão deve ser feita usando os conceitos de valor presente e valor futuro. Se podemos pagar um produto no futuro pelo mesmo montante no momento atual, a melhor decisão é deixar para desembolsar mais adiante. Em termos financeiros, o fato do valor presente e o valor futuro serem iguais significa que a taxa de juros é igual a zero.

A racionalidade deste tipo de decisão é matemática, mas não leva em consideração aspectos comportamentais e de sinalização. Algumas pessoas ficam incomodadas quando possuem dívida e sua preocupação pode ser tão elevada que superar os benefícios obtidos com a compra a prazo. Outro aspecto é a sinalização. Pagar à vista pode transmitir um sinal para outras pessoas de que você possui uma seriedade, que honra seus compromissos e que possui recursos suficientes para seus gastos.

A questão comportamental tem sido explorada na literatura. Apesar do que diz a análise “simplesmente matemática” da decisão de comprar à vista ou comprar a prazo, diversas pesquisas em finanças comportamentais já mostraram a compra a prazo pode não ser uma decisão mais adequada.

Uma vez que em finanças pessoais a decisão de comprar à vista versus comprar a prazo está associada ao método de pagamento, as pesquisas com cartão de crédito, o principal meio de pagamento a prazo para muitas pessoas, mostraram efeitos sobre o processo de compra. Geralmente quem compra com cartão de crédito possui maior disposição para pagar – mesmo o produto não sendo necessário ou estando com um preço inadequado. Além disto, usar o cartão de crédito faz com que os gastos aumentem e as pessoas possuem uma menor consciência do ato de gastar. As pesquisas já mostraram que o cartão de crédito é amigo da impulsividade na compra e, por consequência, do aumento da dívida pessoal.

Não é surpresa que um dos principais conselhos para uma vida econômica saudável é restringir o uso dos cartões de crédito, privilegiando o dinheiro. Pense na situação em que você vai ao supermercado efetuar suas compras. Se você leva o cartão de crédito, seu limite é o limite do cartão, geralmente bastante folgado. Mas se você leva dinheiro físico, suas compras estarão restritas ao volume de moeda que você possui. É bem provável que alguma vez você saiu de casa somente com dinheiro, viu um produto interessante, mas não comprou pelo limite de recursos que dispunha. Também é provável que você tenha pensado depois que o produto não era realmente necessário.

Veja a situação pelo outro lado. A empresa sabendo deste fato vai procurar facilitar a vida de quem compra com crédito. Os estabelecimentos comerciais aceitam cartão de crédito pois, entre outros motivos, sabem que você tende a gastar mais quando compra a prazo. E facilitam sua vida o máximo que podem. Os sites da internet permitem que você cadastre seu cartão de crédito para “facilitar” sua vida; neste caso, aumentar o seu consumo no site. Afinal, para gastar, basta um clique.

Uma razão deste comportamento é que existe um custo de transação. Quando compramos com cartão de crédito, basta passar o cartão em uma máquina e somente no outro mês você irá arcar com o seu ato. A palavra “basta” da frase anterior é importante, pois indica um reduzido custo de transação.

Merle van den Akker lembra, no blog Behavioral Economics (*), que diversas teorias foram propostas para explicar o comportamento distinto das pessoas e os métodos de pagamento. Segundo ela, a teoria mais antiga e conhecida é a da dor de pagar. Nesta teoria, os sentimentos negativos associados com o desembolso está associada com o método de pagamento. Ao “ver” o dinheiro sendo gasto, as pessoas reduzem seu comportamento compulsivo de comprar. As pesquisas mostraram que o uso do crédito torna as pessoas menos sensíveis aos preços, o que aumenta a chance de fazer a transação.

Neste sentido, o cartão de crédito tem menor dor de pagamento, já que não é transparente e não físico. As formas modernas de pagamento, como o uso do celular e o pix, provavelmente se enquadram neste tipo de situação. E veja que o pagamento pelo celular adiciona um elemento importante neste aspecto, na medida que a grande maioria das pessoas estão acostumadas a ter o aparelho por perto. E junto com o aparelho, um app do banco, que permite realizar um pix ou outro tipo de pagamento.

Conforme diz van den Akker, “temos que reformular a maneira como pensamos os métodos de pagamento e suas implicações para a tomada de decisões financeiras”.

(*) Esta postagem foi baseada neste texto. No artigo há links para as pesquisas sobre a questão dos meios de pagamentos e as finanças pessoais

Foto: Clay Banks

sábado, abril 09, 2022

Cutucadas e pandemia

O conceito da cutucada (nudge) foi popularizado no livro de 2008, de co-autoria de Richard Thaler e Cass Sunstein. A cutucada é algo que altera o comportamento das pessoas sem alterar os incentivos econômicos, mas focando na “forma” para fazer esta mudança.

O exemplo que tornou-se popular foi um problema no Aeroporto de Amsterdã, onde os banheiros masculinos estavam sujos. A administração do aeroporto decidiu pintar cada mictório com uma “mosca”. Este simples desenho melhorou a pontaria dos homens, reduzindo a sujeira dos banheiros.

A popularização da ideia foi tamanha logo assim que o livro Nudge foi lançado. Diversos governos decidiram criar uma unidade que envolvesse o estudo da forma como as opções são apresentadas ao usuário. Sunstein foi trabalhar para o governo Obama, onde procurou incentivar o uso das cutucadas na formulação de políticas federais. A Inglaterra criou um unidade comportamental, onde tal estratégia contribuiu para redução na prescrição de antibióticos pelos médicos de família. O fisco inglês conseguiu um aumento no número de contribuintes, através de uma mensagem para alguns deles.

As críticas não demoraram a aparecer. Algumas delas focavam na “manipulação” das cutucadas. A chegada da pandemia trouxe algum prejuízo para as pesquisas na área. Em primeiro lugar, alguns defensores das cutucadas se posicionaram de forma polêmica: o chefe da equipe inglesa na área, David Halpern, foi acusado de ser contra medidas enérgicas. Um investigação subsequente mostrou que a opção do governo Johnson por medidas mais brandas partiu da suposição que as pessoas não iriam fazer o bloqueio.

O problema é que uma pandemia seria um evento extremo e as cutucadas foram “criadas” para situações corriqueiras. A questão é saber se as cutucadas poderiam funcionar nas condições apresentadas após março de 2020. As pesquisas realizadas desde então parecem estar mostrando que as cutucadas não foram relevantes nestes casos. Um experimento na Itália mostrou que a maioria das pessoas já sabia o que seria necessário fazer e estavam seguindo as ordens, sem a necessidade das cutucadas.

Pensar que cutucadas podem solucionar os problemas do mundo é uma atitude inocente. Imaginar toda intervenção terá resultado também. As cutucadas funcionam sob certas condições e pandemia ajudou a lembrar disto.

Sobre este assunto, recomendo a leitura do artigo da UnDark, The Subtle Psychology of Nudging During a Pandemic

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sábado, abril 02, 2022

Desonestidade e Finanças


Justin Fox escreve, na sua coluna na Bloomberg (via aqui) sobre o julgamento do fundo soberano da Malásia e o papel de Leissner, ex-funcionário do Goldman Sachs. O processo revelou que Leissner falsificou seus documentos de divórcio, criou contas falsas de e-mail, casou com várias mulheres ao mesmo tempo, além de estar sendo julgado por um dos maiores furtos da história.

Leissner declarou culpado, mas a questão, para Fox, é como Leissner chegou na posição de destaque de uma instituição de "prestígio"? Fox lembra de um artigo publicado no, aqui sim, prestigioso Management Science, com o título de Social Preference of Young Professionals and the Financial Industry. O resultado é muito, mas muito, ruim para a área financeira. Basicamente, os estudantes mais "desonestos" escolhem finanças para trabalhar. 

Em 1995 um jogo de "investimento" foi criado por três professores de contabilidade onde um grupo da sala A decide quanto, de zero a 10, será encaminhado para uma outra sala. Para cada unidade encaminhada, o valor será triplicado quando chegar na sala B. As pessoas da sala B decidem quanto  do dinheiro triplicado irão manter e quanto irão devolver para seus colegas da sala A. 

É um jogo de confiança. Quanto mais dinheiro os jogadores da sala A optarem por mandar para sala B, mais confiante que o dinheiro irá retornar. Se não existe confiança, o jogador da sala A não manda nada. Se existe plena confiança, o jogador da sala A irá enviar todo dinheiro, que chegará como sendo $30 para os jogadores de B. A decisão mais egoísta de B seria não enviar nada para A. Uma possibilidade "justa" seria retornar com $15. Mas no chamado equilíbrio de Nash a solução é não enviar nada. 

Na prática os participantes não fazem isto. Eu uma das aplicações, realizadas em 2013, na Alemanha, os participantes enviaram 38,7% de A para B, que devolveu 20,5% do valor triplicado. Ao final, para cada $10 inicial, a sala A ficou com $6,13 (a diferença entre $10 menos 3,87) mais 2,38 - que corresponde a 3,87 x 3 x 0,205 ou 8,51. Os alunos da sala B ficaram com 9,23. Nesta pesquisa de 2013 os investigadores perguntaram qual seu interesse em termos de profissão. Não observaram muita diferença entre as respostas, exceto em um ponto. Nos participantes da sala B, os alunos que escolheram finanças devolveram somente 15,5% do dinheiro. Algum tempo depois, os pesquisadores olharam onde estavam os alunos. Aqueles que trabalhavam com finanças devolveram, em média, 14,8%. 

Isto pode ser um sintoma do "egoísmo" no campo de finanças. Uma possível explicação é o elevado salário da área, que atrai as pessoas mais egoístas. 

O que podemos aprender sobre isto tudo? Ao ler o artigo de Justin Fox eu pensei imediatamente: não confie nos consultores financeiros (de seu banco ou independentes). 

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