Custos Perdidos
Para um jogador de pôquer, seria o mesmo que tentar recuperar as perdas de rodadas anteriores. O que os economistas chamam de falácia dos custos irrecuperáveis (sunk cost, em inglês). E é um comportamento generalizado.
Todos nós fazemos isso. Quem nunca foi ao cinema e ficou até o fim de um filme que percebeu que era ruim nos primeiros 10 minutos? Essa é a mesma lógica de quem diz "já gastei muito dinheiro com meu carro. Não posso simplesmente me desfazer dele agora. Melhor substituir a caixa de câmbio que está com problema".
Há também aqueles que permanecem em relacionamentos fracassados por anos a fio porque não querem que o tempo que passaram juntos tenha sido "em vão".
O que conecta esses exemplos é o fenômeno de continuar lançando mão de recursos (tempo ou dinheiro) depois que algo negativo acontece, esperando que a situação melhore, quando não há bons motivos para acreditar nisso.
Em outras palavras, as pessoas são relutantes em aceitar perdas. É muito mais provável que a gente continue a desperdiçar tempo ou dinheiro em um projeto que não está dando certo, na esperança de que prospere, do que reconhecer a derrota e desistir. O que impulsiona isso é o otimismo - de que, contra todas as probabilidades, a situação vai melhorar - e a aversão ao fracasso.
Até os animais podem ser influenciados pelos custos irrecuperáveis. Um estudo recente da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, revelou que ratos e camundongos se comportam da mesma forma que os seres humanos.
Em ambos os casos, o estudo mostrou que quanto mais tempo eles investem à espera de uma recompensa (para os roedores, ração aromatizada, para os humanos, vídeos engraçados), menor a probabilidade de desistirem da busca antes do fim da espera. Segundo alguns pesquisadores, esse padrão pode sugerir uma razão evolutiva para essa tendência economicamente irracional.
'Trunfo nas mãos'
No trabalho, as consequências de se agarrar desesperadamente a custos irrecuperáveis podem ser catastróficas. Para empresas pequenas, pode significar, por exemplo, adiar a demissão de um funcionário que você passou meses treinando, embora estivesse claro desde o início que ele nunca atenderia às expectativas.
Mas esse mesmo espírito leva companhias a fazerem investimentos de grande porte totalmente ilógicos. Pensar apenas em termos de possíveis ganhos futuros significa deixar de levar em conta os recursos irrecuperáveis já gastos. É fácil de entender por quê.
Após investir US$10 milhões em um projeto, que não decolou, a decisão de aportar mais US$5 milhões é mais justificada se você considerar o retorno apenas sobre os US$5 milhões - em vez dos US$15 milhões (valor total). Mas a verdade é que você também não quer parecer idiota abandonando o projeto.
No livro Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar, Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel, sugere que o pensamento do "custo irrecuperável" explica com frequência por que as empresas recorrem a uma nova gestão ou contratam consultores na fase de declínio de um projeto.
Segundo ele, não é necessariamente porque eles são mais competentes do que os gerentes originais - mas porque os recém-chegados não carregam nenhuma bagagem política (e a relutância associada a aceitar derrotas e seguir em frente).
Como um apostador que tenta "recuperar suas perdas" em uma mesa de pôquer, as pessoas presas na armadilha do custo irrecuperável vão fingir que têm um trunfo nas mãos.
O britânico Nick Leeson, que levou à quebra do Barings Bank em 1995, seguiu um raciocínio semelhante ao tentar recuperar sua posição após uma série de operações financeiras desastrosas.
Gasto público
Tomar decisões tolas continuamente, impulsionadas por análises de custos irrecuperáveis, pode acabar levando empresas a perder capital ou participação de mercado e, consequentemente, a fechar as portas.
Por outro lado, há menos mecanismos de controle em torno das tomadas de decisão políticas. Certamente não ajuda o fato de que, no mundo todo, o ato de voltar atrás em resoluções seja visto como sinal de fraqueza - incentivando ainda mais os políticos a insistirem em projetos onerosos.
Muitos exemplos confirmam essa tendência em nível global. Obras públicas de infraestrutura são conhecidas por ultrapassar orçamentos, como é o caso do projeto "High Speed Rail 2", proposto pelo Reino Unido.
O Japão também tem o hábito de gastar demais com infraestrutura. Isso é parte do motivo pelo qual o país apresenta a maior dívida pública do mundo. Muitos projetos oferecem muito pouco incentivo fiscal, sem contar as inúmeras "pontes para lugar nenhum" - literalmente e metaforicamente falando.
Nos EUA, a política de "guerra às drogas" aumentou exponencialmente a população carcerária. Mas, apesar da riqueza de evidências de que a política não conseguiu controlar o consumo de drogas (e causou uma série de efeitos colaterais terríveis), os legisladores têm dificuldade de se desvencilhar dela.
A armadilha dos custos irrecuperáveis leva a escolhas erradas da ordem de bilhões e trilhões, mas também impacta as finanças pessoais - há quem desperdice dinheiro usando as economias desnecessariamente, por exemplo, em obras para consertar um imóvel que não vai valorizar.
Lutando contra a falácia
A falácia do custo irrecuperável tem, portanto, um enorme significado do ponto de vista micro e macroeconômico - para decisões pessoais e políticas em todo o mundo.
No entanto, uma maior conscientização desse processo de pensamento ilógico pode nos ajudar a não cair nessas armadilhas - e a pressionar para que líderes empresariais e políticos prestem contas de suas ações.
Mas como podemos evitar essa cilada?
"Todos nós somos suscetíveis a essa tendência", diz Jim Everett, psicólogo social e pesquisador da Universidade de Leiden, na Holanda. "Mas, muitas vezes, conseguimos atenuá-la parcialmente dando um passo atrás e pensando nas alternativas."
Ao ponderar se deve dar continuidade a uma ação em andamento, sempre se pergunte: "O que eu ganho ou perco se mantiver essa decisão, e o que eu ganho ou perco se mudar de ideia?"
Em caso de dúvida, Everett recomenda refletir sobre todo o processo decisório que levou você até onde está, e a considerar o contrafactual - em outras palavras, o que é mera especulação hipotética e o que é realmente fato, para cair na real.
"Se eu pudesse fazer a mesma escolha novamente, tomaria a mesma decisão? Se não - por que não?"
Ou seja, é um conceito simples, com ramificações globais. E, finalmente, voltamos à primeira lição do jogo de pôquer. Todo jogador que se preze sabe a hora de parar.
Fonte: Aqui
Todos nós fazemos isso. Quem nunca foi ao cinema e ficou até o fim de um filme que percebeu que era ruim nos primeiros 10 minutos? Essa é a mesma lógica de quem diz "já gastei muito dinheiro com meu carro. Não posso simplesmente me desfazer dele agora. Melhor substituir a caixa de câmbio que está com problema".
Há também aqueles que permanecem em relacionamentos fracassados por anos a fio porque não querem que o tempo que passaram juntos tenha sido "em vão".
O que conecta esses exemplos é o fenômeno de continuar lançando mão de recursos (tempo ou dinheiro) depois que algo negativo acontece, esperando que a situação melhore, quando não há bons motivos para acreditar nisso.
Em outras palavras, as pessoas são relutantes em aceitar perdas. É muito mais provável que a gente continue a desperdiçar tempo ou dinheiro em um projeto que não está dando certo, na esperança de que prospere, do que reconhecer a derrota e desistir. O que impulsiona isso é o otimismo - de que, contra todas as probabilidades, a situação vai melhorar - e a aversão ao fracasso.
Até os animais podem ser influenciados pelos custos irrecuperáveis. Um estudo recente da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, revelou que ratos e camundongos se comportam da mesma forma que os seres humanos.
Em ambos os casos, o estudo mostrou que quanto mais tempo eles investem à espera de uma recompensa (para os roedores, ração aromatizada, para os humanos, vídeos engraçados), menor a probabilidade de desistirem da busca antes do fim da espera. Segundo alguns pesquisadores, esse padrão pode sugerir uma razão evolutiva para essa tendência economicamente irracional.
'Trunfo nas mãos'
No trabalho, as consequências de se agarrar desesperadamente a custos irrecuperáveis podem ser catastróficas. Para empresas pequenas, pode significar, por exemplo, adiar a demissão de um funcionário que você passou meses treinando, embora estivesse claro desde o início que ele nunca atenderia às expectativas.
Mas esse mesmo espírito leva companhias a fazerem investimentos de grande porte totalmente ilógicos. Pensar apenas em termos de possíveis ganhos futuros significa deixar de levar em conta os recursos irrecuperáveis já gastos. É fácil de entender por quê.
Após investir US$10 milhões em um projeto, que não decolou, a decisão de aportar mais US$5 milhões é mais justificada se você considerar o retorno apenas sobre os US$5 milhões - em vez dos US$15 milhões (valor total). Mas a verdade é que você também não quer parecer idiota abandonando o projeto.
No livro Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar, Daniel Kahneman, ganhador do Prêmio Nobel, sugere que o pensamento do "custo irrecuperável" explica com frequência por que as empresas recorrem a uma nova gestão ou contratam consultores na fase de declínio de um projeto.
Segundo ele, não é necessariamente porque eles são mais competentes do que os gerentes originais - mas porque os recém-chegados não carregam nenhuma bagagem política (e a relutância associada a aceitar derrotas e seguir em frente).
Como um apostador que tenta "recuperar suas perdas" em uma mesa de pôquer, as pessoas presas na armadilha do custo irrecuperável vão fingir que têm um trunfo nas mãos.
O britânico Nick Leeson, que levou à quebra do Barings Bank em 1995, seguiu um raciocínio semelhante ao tentar recuperar sua posição após uma série de operações financeiras desastrosas.
Gasto público
Tomar decisões tolas continuamente, impulsionadas por análises de custos irrecuperáveis, pode acabar levando empresas a perder capital ou participação de mercado e, consequentemente, a fechar as portas.
Por outro lado, há menos mecanismos de controle em torno das tomadas de decisão políticas. Certamente não ajuda o fato de que, no mundo todo, o ato de voltar atrás em resoluções seja visto como sinal de fraqueza - incentivando ainda mais os políticos a insistirem em projetos onerosos.
Muitos exemplos confirmam essa tendência em nível global. Obras públicas de infraestrutura são conhecidas por ultrapassar orçamentos, como é o caso do projeto "High Speed Rail 2", proposto pelo Reino Unido.
O Japão também tem o hábito de gastar demais com infraestrutura. Isso é parte do motivo pelo qual o país apresenta a maior dívida pública do mundo. Muitos projetos oferecem muito pouco incentivo fiscal, sem contar as inúmeras "pontes para lugar nenhum" - literalmente e metaforicamente falando.
Nos EUA, a política de "guerra às drogas" aumentou exponencialmente a população carcerária. Mas, apesar da riqueza de evidências de que a política não conseguiu controlar o consumo de drogas (e causou uma série de efeitos colaterais terríveis), os legisladores têm dificuldade de se desvencilhar dela.
A armadilha dos custos irrecuperáveis leva a escolhas erradas da ordem de bilhões e trilhões, mas também impacta as finanças pessoais - há quem desperdice dinheiro usando as economias desnecessariamente, por exemplo, em obras para consertar um imóvel que não vai valorizar.
Lutando contra a falácia
A falácia do custo irrecuperável tem, portanto, um enorme significado do ponto de vista micro e macroeconômico - para decisões pessoais e políticas em todo o mundo.
No entanto, uma maior conscientização desse processo de pensamento ilógico pode nos ajudar a não cair nessas armadilhas - e a pressionar para que líderes empresariais e políticos prestem contas de suas ações.
Mas como podemos evitar essa cilada?
"Todos nós somos suscetíveis a essa tendência", diz Jim Everett, psicólogo social e pesquisador da Universidade de Leiden, na Holanda. "Mas, muitas vezes, conseguimos atenuá-la parcialmente dando um passo atrás e pensando nas alternativas."
Ao ponderar se deve dar continuidade a uma ação em andamento, sempre se pergunte: "O que eu ganho ou perco se mantiver essa decisão, e o que eu ganho ou perco se mudar de ideia?"
Em caso de dúvida, Everett recomenda refletir sobre todo o processo decisório que levou você até onde está, e a considerar o contrafactual - em outras palavras, o que é mera especulação hipotética e o que é realmente fato, para cair na real.
"Se eu pudesse fazer a mesma escolha novamente, tomaria a mesma decisão? Se não - por que não?"
Ou seja, é um conceito simples, com ramificações globais. E, finalmente, voltamos à primeira lição do jogo de pôquer. Todo jogador que se preze sabe a hora de parar.
Fonte: Aqui
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