domingo, outubro 25, 2020

Síndrome do Impostor


Dinâmica social reforça a síndrome do impostor, explica especialista 

Estereótipos e vieses de gênero fazem mulher ter mais sentimento de ‘fraude’ no mercado de trabalho e pode prejudicar as chances de sucesso na vida profissional

Entrevista com Letícia Rodrigues, sócia-fundadora da Tree Diversidade

Ludimila Honorato, O Estado de S.Paulo - 23 de outubro de 2020 | 05h00

“Eu não sou boa o suficiente para estar neste corpo docente. Algum equívoco foi feito no processo seletivo”, “Obviamente, eu estou nessa posição porque minhas habilidades foram superestimadas”. Essas frases e outras similares foram ditas por mulheres bem-sucedidas, em altos cargos de liderança, com grandes conquistas pessoais e acadêmicas. O motivo de elas considerarem que são uma fraude e que chegaram aonde estão por sorte é um só: a síndrome do impostor.

O fenômeno foi estudado, especificamente no público feminino, pelas psicólogas norte-americanas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, que em 1978 publicaram um estudo sobre o tema. Queriam entender o que levava mulheres com perfil superior a acreditarem que não eram brilhantes o suficiente e estavam enganando a todos apesar de suas conquistas.

As especialistas identificaram que as “impostoras” não se enquadram em uma categoria de diagnóstico, mas os sintomas clínicos frequentemente reportados são ansiedade generalizada, ausência de autoconfiança, depressão e frustração relacionada à incapacidade de atender aos padrões impostos por elas mesmas. Embora todos estejam suscetíveis a isso, estudos anteriores já mostravam que o fenômeno é mais prevalente nas mulheres.

“Isso tem muito a ver com a cultura de viver em um ambiente totalmente cheio de barreiras, estereótipos e vieses de gênero”, explica Letícia Rodrigues, sócia-fundadora da Tree Diversidade. A especialista em diversidade e inclusão tem experiência em projetos relacionados a gênero, além de ministrar cursos sobre liderança feminina, nos quais a síndrome do impostor aparece com bastante frequência, independentemente do nível hierárquico.

Em conversa com o Estadão, Letícia falou sobre as características do fenômeno, como ele pode prejudicar as chances de sucesso na vida profissional e como interromper esse ciclo. Confira a seguir.

Como podemos definir a síndrome do impostor? 
Ao contrário do que muita gente pensa quando se fala em síndrome, não é uma doença. Alguns preferem chamar de fenômeno do impostor. É um conjunto de fatores, atitudes e sentimentos que as pessoas têm, com base em crenças sociais, que trazem insegurança, sentimento de fraude, de não pertencimento. As pessoas acham que, quando atingem um determinado sucesso, não deveriam estar ali, que aquilo foi devido a fatores externos como sorte ou o famoso “estar no lugar certo na hora certa”, mas que não tem a ver com competência e conquistas pessoais.

Por que as pessoas desenvolvem esse sentimento? 
Não é unânime, mas a maioria dos pesquisadores acha que tem a ver com a dinâmica familiar desde a infância. No estudo que Clance e Imes fizeram, elas conseguiram classificar um grupo de mulheres em duas dinâmicas e, a partir daí, conseguiram descrever a síndrome. Mas existem outros fatores que têm a ver com a cultura na qual a gente está inserido, o fato de a gente viver em ambientes que são discriminatórios, cheios de estereótipos. E aí tem a questão do estereótipo de gênero, que é muito forte na sociedade, sendo um dos motivos para que as mulheres tragam mais a síndrome do impostor do que os homens.

Mesmo com grandes avanços sociais, movimentos de empoderamento feminino, você percebe que isso ainda é real? Por quê? 
Os estudiosos ainda acreditam que a síndrome do impostor acontece mais nas mulheres e isso tem muito a ver mesmo com a cultura, de viver em um ambiente cheio de barreiras, estereótipos e vieses de gênero que acabam trazendo aspectos para a vida das mulheres, questões de insegurança.

Mas um dos fatores que já foram levantados é que os homens têm a síndrome, mas aparecem menos do que o porcentual real, e é por causa da cultura de novo. É esperado socialmente do homem que ele não demonstre fraqueza, insegurança, então muitas vezes eles se esforçam muito mais e conseguem disfarçar os aspectos relacionados à síndrome do impostor. Os psicólogos também dizem que, mesmo em consultório, os homens trazem o assunto muito menos. Então, é mais difícil descobrir e ter certeza de que os homens têm.

Isso é curioso, porque no artigo de Clance e Imes, elas descrevem que uma das dinâmicas familiares é da menina que é incentivada a acreditar em si, que ela pode tudo o que quiser. Parece que os meninos acreditam mais e levam para a vida futura. Acho que não é só uma questão de que essa autoconfiança perpetua mais nos homens. Tem isso que você está falando, perpetua sim, mas a nossa cultura os obriga a mostrarem que são autoconfiantes, que não têm fraqueza nenhuma, não podem chorar, têm de ser o provedor, forte, o “macho alfa”. Então, muitas vezes, o homem está representando um papel social. Parece que eles carregam isso mais, mas é fruto da dinâmica social. Muitas vezes, a gente pensa que a nossa cultura limita as mulheres, mas limita demais o homem, que tem de ter papel de forte.

E como a síndrome do impostor afeta a vida profissional? 
A pessoa que traz essa síndrome acha que é uma fraude e está enganando todo mundo, então ela gasta muita energia pensando sobre isso em vez de estar produzindo, com medo de ser “descoberta”. A pessoa acredita que não tem o talento e as habilidades que são necessários para estar naquele local, então carrega a falta de confiança. Nesse ponto, ela nem se candidata a uma vaga porque tem receio de ser descoberta. Ela atribui suas conquistas à sorte e acaba indo menos em busca de novos desafios.

Tem algumas características que as pessoas trazem de forma bem forte: ou ela vai para o perfeccionismo, afinal ela não deveria estar ali, então tem de fazer de uma forma bem perfeita, trabalha em excesso, fica revisando muito e adia a entrega porque sabe que será julgada; ou, quando alguém faz um elogio, ela diminui esse elogio em vez de se satisfazer e ratificar a conquista. Mas a carreira é feita disso: alguém tem de reconhecer o que você atingiu para poder te impulsionar para cima. Se ela diminui, a pessoa que fez o elogio fica com o pé atrás também. E ela está sempre enfraquecendo as próprias conquistas, apontando primeiro o que está errado.

No ciclo do impostor, primeiro, a pessoa recebe uma tarefa e aquilo gera ansiedade, insegurança e preocupação. Com isso, ela vai ter dois caminhos: ou procrastinar, mas fazer, ficar aliviada quando entregar, mas atribuir à sorte quando receber feedback positivo; ou vai trazer uma preparação exagerada e vai atribuir ao esforço. Com essa percepção de esforço e sorte, vai ter aumento de insegurança e ansiedade. (1)

É possível que a síndrome se manifeste apenas na vida pessoal ou na profissional? 
Normalmente, as duas coisas estão interligadas, mas ela acaba aparecendo mais na vida profissional e acadêmica, que são ambientes com mais competitividade, onde a pessoa está lidando com outros indivíduos, com os limites dela.

Clance e Imes fizeram a pesquisa com mulheres de altos níveis profissional e acadêmico. Existe relação entre nível hierárquico e grau da síndrome? Desconheço qualquer estudo que fale sobre isso. Mas temos exemplos até mesmo de pessoas famosas que foram a público e falaram que têm a síndrome do impostor. Kate Winslet, Michelle Obama (que fala do tema no documentário Becoming, da Netflix). O fato de a gente saber que outras pessoas têm a síndrome do impostor ajuda demais, porque durante muito tempo a gente acredita que somos os únicos.

O ambiente de trabalho pode contribuir para que alguém desenvolva essa síndrome, mesmo que não tivesse antes? Sim, a gente pode ter alguns momentos da vida em que está enfrentando essa questão. Tem vários gatilhos e o ambiente profissional é um deles. Mas é importante a gente saber que não é só porque a pessoa chegou ao ambiente corporativo que isso ocorre, é todo um contexto. A gente está falando da dinâmica familiar, da cultura da sociedade. Tudo isso já está ali dentro, a pessoa já teve essas vivências e, no ambiente corporativo e de maior pressão, ela vai vivenciar as características da síndrome.

Quais são os caminhos para se “curar” da síndrome? 
Para mim, a forma principal é buscar evidências. Se buscar, a gente tem evidência de que somos capazes, inteligentes, temos conquistas e diversas habilidades que às vezes a gente acha que não tem. É importante buscar o autoconhecimento, saber quais são nossos pontos mais fortes e quais ainda têm para desenvolver. Pensar que qualquer experiência que a gente passa na vida é uma oportunidade de aprender. Comemorar as conquistas, até para ficar mais evidente para nós mesmos como aquilo foi importante, difícil e conseguimos. Ocupar espaços e aproveitar as oportunidades, se expor mais. E entender que cada um de nós tem valores únicos.

(1) Tenho dúvidas sobre esta análise. Veja Robert H. Frank, Sucesso & Sorte, o Mito da Meritocracia, Alpha, 2017, para uma posição diferente. Imagem, aqui

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segunda-feira, outubro 19, 2020

Gestores são racionais?


Quando fazemos pesquisa sobre as finanças comportamentais nas empresas, uma das grandes dificuldades é a obtenção de informações. Uma saída típica é fazer estudos com estudantes e assumir que o comportamento dos estudantes será espelhado nos executivos das empresas. Há um corpo bem sólido de pesquisas que permite fazer esta suposição. Mesmo assim, muitos leitores duvidam disto. Afinal, os executivos são pessoas bem preparadas, que passaram por uma seleção e aprenderam com os erros. Em termos mais técnicos, os executivos seriam uma amostra não aleatória da população: são inteligentes e qualificados. 

Além disto, os executivos são monitorados pelos conselhos e as estruturas de governança das empresas, que impede erros comportamentais. Mesmo assim, as pesquisas mostram que os executivos não são 100% racionais

A nova onda de pesquisas sobre finanças corporativas comportamentais que começou a aparecer em meados dos anos 2000 alterou drasticamente essa linha de raciocínio. Um corpo de evidências convincentes documenta preconceitos sistemáticos e persistentes na tomada de decisão gerencial, incluindo excesso de confiança, pensamento dependente de referência e confiança em atalhos cognitivos, e revela que os traços de caráter e experiências passadas dos gerentes moldam suas decisões.

Este artigo revisa e analisa o crescente corpo de pesquisas em finanças corporativas comportamentais. A revisão é organizada de acordo com três fases distintas da carreira do CEO: nomeação, estar no comando e demissão. Cada fase do ciclo de vida da carreira do CEO está intimamente ligada a um dos três pilares do paradigma do gerente racional. A primeira seção (‘Seleção do CEO: Quem se torna um CEO?’) Discute o primeiro estágio do ciclo de vida da carreira do CEO, a nomeação inicial, e o vincula ao argumento de seleção: Por que os mecanismos de seleção não filtram candidatos tendenciosos? Por que eles podem até favorecer candidatos com certos preconceitos? A segunda seção (‘Decisões do CEO: Os preconceitos afetam as políticas corporativas?’) examina a tomada de decisão do CEO enquanto ele está no cargo e a vincula ao argumento de aprendizagem: Quais preconceitos sistemáticos os CEOs apresentam? O que pode impedir os CEOs de aprender com os erros do passado? A terceira seção (‘Sobrevivência do CEO: quando os CEOs são demitidos?’) discute a rotatividade do CEO e a vincula ao argumento da disciplina de mercado: Os conselhos e os mercados estão cientes dos preconceitos dos CEOs? Como os CEOs tendenciosos são incentivados? Quando os CEOs tendenciosos são substituídos? A seção final é a "Conclusão". Ao longo de todo o artigo, o artigo identifica caminhos promissores para pesquisas futuras e discute as implicações políticas e conselhos gerenciais.

BEHAVIORAL CORPORATE FINANCE: THE LIFE CYCLE OF A CEO CAREER. Marius Guenzel; Ulrike Malmendier. Working Paper 27635

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